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April 8, 2020

Ainda sobre a Suspensão dos Cultos... o que fazer? Rev. Filipe Fontes



Na semana passada, escrevi um primeiro texto sobre este assunto. Meu objetivo era chamar a atenção para o quão complexo é o desafio dos líderes eclesiásticos que precisam decidir quanto à manutenção ou suspensão das atividades da igreja nestes tempos de pandemia. Meu apelo foi para que evitássemos análises e comentários simplistas, e fossemos mais misericordiosos ao tratar dessa questão.

Se você está acompanhando as discussões, deve ter percebido que elas giram, majoritariamente, em torno de uma reunião específica: o culto! Eu não vi ninguém “brigando” pela suspensão do artesanato das mulheres, do churrasco dos homens ou da pizza dos jovens no sábado à noite. Não me lembro sequer de ter visto alguém esbravejar pela suspensão da Escola Dominical. A questão tem a ver com o culto!

Há uma forte razão para isso: o culto é uma reunião singular! É quando o povo de Deus é reunido para celebrar a redenção, confessar e receber perdão, expressar unidade, ter o coração reorientado pela Palavra e responder com dedicação e disposição para o serviço. Para muito além do que minhas palavras podem expressar, se você é um cristão, você sabe o que é o culto. E sabe que a impossibilidade de cultuar costuma deixar uma sensação de vazio e de incompletude em todo cristão verdadeiro. Quando deixamos de ir ao culto, num domingo qualquer, experimentamos aquela sensação que costuma ser expressa pela seguinte exclamação: "parece que está faltando alguma coisa!"

No último domingo, os efeitos da pandemia ainda estavam começando a ser sentidos por aqui. E muitos líderes conseguiram manter o culto na igreja que dirigem. Alguns, na mesma frequência regular em que eles acontecem, e outros com uma frequência menor [foi o que aconteceu na igreja em que sirvo, por exemplo].

Mas as coisas estão piorando. À medida que o final de semana se aproxima, novas decisões precisarão ser tomadas. E eu suspeito que o número de decisões pela suspensão irá aumentar consideravelmente. Foi por isso que resolvi escrever este texto: para expressar uma preocupação e estabelecer um diálogo com meus colegas que caminharão nesta direção. Se não é o seu caso, obrigado pela leitura até aqui. Se quiser continuar, fique à vontade. Mas pode ser que não seja tão útil para você.

O grande desafio que a suspensão do culto presencial coloca sobre nossos ombros é: como conduzir o povo de Deus no culto ao Senhor, se as pessoas não podem estar presentes no mesmo ambiente? A resposta mais imediata tem sido: tecnologia, mais especificamente, internet. Foi o que boa parte das igrejas fez no domingo passado: elas reuniram um pequeno grupo e transmitiram a reunião para que aqueles que permaneceram em casa pudessem assistir [palavra usada de propósito; assistir, não participar]. Mas, se as coisas se desenvolverem como se anuncia, possivelmente isso já não será possível em alguns lugares nos próximos domingos, e o que eu creio que veremos é uma multidão de pastores falando nas redes sociais, a partir de sua própria casa, através do seu telefone celular.

A pergunta que não quer calar é: deveríamos tratar isso, naturalmente, como uma versão contemporânea do culto público? Eu acredito que não! E também acredito que se fizermos isso correremos o risco de desconsiderar a especialidade do momento que estamos vivendo, que não deve ser interpretado, por nós cristãos, apenas em termos políticos, sociais ou econômicos, mas, principalmente, em termos espirituais. Talvez, Deus esteja disciplinando a humanidade por meio desta pandemia; a Bíblia diz que Ele já fez coisas semelhantes no passado. E, talvez, a impossibilidade de nos reunirmos seja parte da disciplina do Senhor sobre nós, a sua igreja; quem sabe, pelo nosso estilo de vida individualista e nosso pouco caso para com a vida em comunidade.

Se for isso, tentar emular a experiência litúrgica comunitária através da internet, não me parece a melhor resposta. Entenda! Eu não estou dizendo que não devemos usar a internet para encurtar os espaços neste momento. Eu acredito que a internet é benção de Deus, e que ela pode ser de grande utilidade agora. O que estou dizendo é que não devemos naturalizar o extraordinário, nem alimentar a expectativa de experimentarmos, tão naturalmente, no isolamento de nossas residências, o que Deus projetou para ser experimentado no contexto da vida comunitária. A linha é tênue. Mas, por mais difícil que seja, nós precisamos considerá-la.

O que fazer então? Os princípios de liturgia de minha denominação, a Igreja Presbiteriana do Brasil, distinguem três tipos de culto: a) o individual; b) o doméstico; e c) o culto público. Baseado nessa distinção, eu suspeito que a melhor coisa a fazer na impossibilidade da realização do terceiro é estimular e prover meios para que os dois primeiros sejam intensificados. Ou seja: antes de pensar no kit youtuber para a transmissão de domingo, talvez devamos nos dedicar ao preparo e seleção de bons roteiros devocionais para que a igreja intensifique o culto individual. E também, ao preparo de um roteiro detalhado de culto doméstico que pudesse ser colocado nas mãos dos chefes de família para que eles, como sacerdotes do lar, conduzissem sua esposa e filhos na adoração. No final, pode ser que a redescoberta dessas coisas tão importantes, e ao mesmo tempo tão esquecidas, seja um efeito colateral positivo destes tempos sombrios.

Isso impede um encontro virtual para a celebração da redenção, instrução na Palavra e intercessão? De modo nenhum! Eu apenas não me sinto confortável para equivaler, naturalmente, esse encontro virtual ao encontro presencial. E, por essa razão, eu evitaria chama-lo de "culto público" ou de "culto online". Mas eu estaria lá, e além de interceder pela nação, eu intercederia por nós. Pediria que Deus fosse gracioso para conosco e estendesse ao nosso isolamento as bênçãos que Ele costuma nos dispensar no contexto da vida comunitária. Porque ao mesmo tempo em que devemos evitar naturalizar o extraordinário, precisamos nos lembrar que essas categorias são para nós, não para Ele!

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