O dicionário Caldas Aulete define mito como uma “crença
popular ou tradição que se desenvolve sobre alguém ou algo”. O mito se enquadra
bem na definição de Joseph Goebbels: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se
verdade”. De fato, algumas afirmações equivocadas têm sido ditas em nossos dias
quanto à educação teológica na IPB. Estes mitos são repetidos tantas vezes que
já começam a parecer verdade. Alistei abaixo os que considero mais equivocados:
1º Mito: A
formação teológica atual não prepara o ministro para um auditório mais
capacitado.
A atual grade de disciplinas aprovada pelo Supremo
Concílio prepara o aluno para qualquer tipo de auditório. O que pode ocorrer,
em casos isolados, é algum aluno pouco aplicado obter aprovação no curso e sair
menos preparado. Porém, na medida em que os seminários da IPB são exigentes nas
avaliações e na formação de seus estudantes, a grade atual se encarrega de
capacitar o seminarista aos desafios desta geração. Neste sentido, é muito
comum encontramos alunos do primeiro ano, que já fizeram alguma faculdade, estranhando
o peso do curso de Teologia e tendo certa dificuldade para passar nas
avaliações. Eu me recordo que na minha época de estudante, fazendo seminário e
trabalhando no setor de um banco em que todos tinham formação universitária, eu
acabei gerando olhares surpresos ao contar que mal dormia durante a semana
fazendo os trabalhos do Seminário. Muitos ali me diziam que, em sua época de
faculdade, nunca haviam passado um sábado estudando.
2º Mito:
Quanto mais alto o grau acadêmico do ministro, melhor pastor ele será.
Este também é um equívoco de nossos dias. Com a
multiplicação da oferta de pós-graduações em Teologia, muitos acham que para
serem bons pastores devem ter grau de mestrado e doutorado. Não é verdade. Às
vezes, ocorre justamente o contrário. Os altos graus acadêmicos fazem com que o
pastor, outrora humilde, passe a aceitar convites de pastorado apenas em
igrejas grandes.
Um mestrado ou doutorado podem ser bênção na vida
de um pastor se ele, primeiro, continuar dedicado no pastoreio das ovelhas;
segundo, não perder sua humildade e continuar disposto a pastorear aonde quer
que o Senhor lhe envie. Não precisamos dizer que muitos pastores, sem qualquer
pós-graduação, foram e ainda têm sido muito usados por Deus em todo o nosso
extenso país.
3º Mito: Os
seminários da IPB só formam teólogos.
Bem, a princípio, assim como um curso de Medicina
forma médicos, um curso de Teologia tem de formar teólogos. Todavia, sabemos
que a palavra “teólogo” às vezes é usada com sentido pejorativo. Intenciona-se
dizer que “ser teólogo” é diferente de “ser pastor”. Esta divisão é equivocada.
Todo teólogo deve ser pastor. E todo pastor deve ser teólogo. O reformador João
Calvino, comentando a epístola de Tito 1.1, diz isso de forma bem clara: “E
assim aprendemos que o homem que mais progride na piedade é também o melhor
discípulo de Cristo, e o único homem que deve ser tido na conta de genuíno
teólogo é aquele que pode edificar a consciência humana no temor de Deus”. A
grade de nossos seminários é composta por disciplinas que visam formar o
verdadeiro teólogo – aquele que progride na piedade e alimenta o rebanho de
Deus.
4º Mito:
Jovens ministros não têm responsabilidade.
Esta afirmação vai contra a Palavra de Deus. Na
Bíblia temos muitos jovens que se portaram com grande responsabilidade, não
obstante suas idades. José do Egito, Davi, Jonatas, Daniel e seus amigos, são
alguns. No Novo Testamento, Paulo disse ao jovem pastor Timóteo: “Ninguém
despreze a tua mocidade...” (1Tm 4.12). Responsabilidade independe de idade. E pessoas
com certa experiência de vida sabem disso.
5º Mito: Os
candidatos que têm saído de nossos seminários são muito jovens.
Isso já foi verdade. Não é mais. Por causa das
últimas resoluções do Supremo Concílio que exigem pelo menos 3 anos de
observação antes de o candidato ser enviado ao Seminário, hoje a maioria dos
candidatos é mais madura. Muitos entram no Seminário casados e boa parte
ingressa já possuindo diploma de curso superior.
6º Mito: A
grade de nossos seminários está desatualizada porque foi feita em contexto
rural e hoje o Brasil é um país urbano.
Há dois erros nesta afirmação. O primeiro é que a
grade de nossos seminários está desatualizada. Não é verdade. A grade de
disciplinas vem sendo atualizada a cada Supremo Concílio. A grade atual apresenta 87% de
disciplinas obrigatórias a todos os seminários e 13% de disciplinas eletivas,
que contemplam as diferenças regionais de nosso país. O segundo erro está na
afirmação de que o Brasil é um país urbano, pois passa a impressão de que ele é
totalmente urbano. Não é. Segundo dados do IBGE, pelo menos 30 milhões de
pessoas ainda vivem em ambiente rural em nosso país. E a grade atual, com
disciplinas obrigatórias e eletivas, contempla as duas realidades.
7º Mito: O
sonho de todo seminarista é ter curso reconhecido pelo MEC e Mestrado.
A generalização é precipitada. Pode ser que alguns
seminaristas sonhem com isso, mas está longe de ser a maioria. Minha
experiência no Seminário JMC é ver alguns estudantes sonhando com missões
transculturais, com plantação de igrejas e com pastorado em regiões difíceis.
Tenho testemunhado o mesmo sentimento em muitos alunos dos outros seminários da
IPB, na convivência que tenho com eles em viagens missionárias.
8º Mito: Os
cursos da IPB seriam melhores com o reconhecimento do MEC.
Desde 1999 este assunto tem sido debatido na IPB. No
SC-IPB-2002 foi formada comissão para estudar o assunto e dar passos para o
credenciamento dos Seminários junto ao MEC (Doc. XXVII). Na mesma reunião foi
aprovado parecer desfavorável sobre o tema, nos seguintes termos:
“SC-IPB-2002 Doc. XXVIII – Quanto ao Doc. 44 - Da JET sobre
reconhecimento dos Cursos de Bacharel em Teologia pelo MEC e criação do Curso
de Ministério Pastoral. O Supremo Concílio da IPB: 1. Considerando o relatório
da Comissão de Educação Teológica I sobre o reconhecimento dos Cursos de
Bacharel em Teologia pelo MEC; 2. Considerando que a IPB entende que pastores
são formados em seus seminários e que a experiência de formação de pastores em
cursos universitários na Europa e Estados Unidos causou a secularização e mesmo
a liberalização da teologia; 3. Considerando a existência de muitos seminários
em todo o território nacional, mantidos pela IPB, o que facilita o acesso de
todos quantos neles desejarem estudar. 4. Considerando que o fato do candidato
fazer uma Faculdade Superior de Teologia, em muitos casos lhe privaria do
acompanhamento do presbitério através de um tutor nomeado; RESOLVE: 1.
Considerar a primeira proposta prejudicada; 2. Não aprovar a criação do curso
de Ministério Pastoral, determinando que os que quiserem ser pastores da IPB
façam o curso regular em um dos seus seminários, conforme Art. 118 da CI/IPB.”
Em 2006, o Supremo Concílio recebeu relatório da
comissão especial que estudou o assunto e resolveu remeter o assunto à JET para
continuar a análise (Doc. CXXVII). Em 2010, o Supremo Concílio recebeu o
relatório da comissão e aprovou o parecer contrário da comissão quanto ao
credenciamento:
“SC/IPB-2010 - DOC.LXXXIV - Quanto ao documento 285 - Oriundo do(a):
Educação Teológica - Ementa: Relatório sobre Credenciamento de Seminários da
IPB junto ao MEC. Considerando: 1- a relevância da matéria, a qual toca
diretamente a gestão dos Seminários da IPB, refletindo-se sobre o conteúdo da
grade curricular e contratação de professores; 2 - a fluidez das normas
baixadas a este respeito pelo MEC, fato que representa insegurança para a confessionalidade
dos Seminários; 3 - a desnecessidade do credenciamento junto ao MEC para o
exercício do pastorado junto às igrejas da IPB; O SC/IPB - 2010 RESOLVE: 1.
Conhecer o documento; 2. Aprová-lo em seus termos .”
Portanto,
o entendimento do Supremo Concílio é o de que o credenciamento ao MEC
representa insegurança à confessionalidade do nosso ensino teológico. De fato, é temerário submeter a formação de
nossos pastores a um órgão do governo federal. Por mais que em nosso país haja
separação entre Igreja e Estado, a prática intervencionista do último é
constante. Não podemos submeter o ensino teológico de nossa denominação a este
risco. Para sermos pastores, não necessitamos do reconhecimento do MEC, mas do
reconhecimento de Deus. Este basta.
9º Mito: Um
curso híbrido é o melhor para a formação teológica atual.
A proposta de um curso híbrido seria parecida com o
que é praticado em seminários norte-americanos, isto é, o candidato ao
ministério obrigatoriamente cursaria primeiro um bacharelado em teologia
reconhecido pelo MEC, e depois faria uma complementação pastoral de dois anos
em um seminário da IPB. A proposta é apenas parecida, pois lá fora estes dois
anos são intensivos, cursados em dois períodos, manhã e tarde, por exemplo.
Apesar do mérito da proposta em o candidato fazer
um curso de 6 anos, vejo que teríamos mais a perder do que a ganhar com esta
forma. Alisto meus pontos:
1) Na primeira etapa do curso, a de teologia
reconhecida pelo MEC, as disciplinas de cultura geral teriam a orientação
própria dos cursos seculares, a saber, exclusão do elemento transcendente. Para
entender melhor isso, veja um trecho do parecer do Conselho Nacional de
Educação, do MEC, de 06/05/2009, sobre a questão:
“Por essa razão, o estudo das teologias, da área de Ciências Humanas
conforme classificação CAPES/CNPq, não pode prescindir de conhecimentos das
ciências humanas e sociais, da filosofia, da história, da antropologia, da
sociologia, da psicologia e da biologia entre outras. Essas ciências permitem
estudar o universo teológico respeitando o princípio da “exclusão da
transcendência”, condição da abordagem científica, ou seja, não se trata de
afirmar ou negar a veracidade das afirmações teológicas, mas, sim, estudar o
modo como elas surgem, como se manifestam e como atuam nas diferentes dimensões
da vida, das experiências e do conhecimento humano. O estudo da teologia deve,
ainda, buscar diálogo com outras áreas científicas, possibilitando estudos interdisciplinares.”
(Grifos nossos)
Atualmente, mesmo as disciplinas de cultura geral
do nosso currículo são ministradas embaixo de uma cosmovisão cristã, isto é, o
conteúdo é examinado sob o prisma da Teologia Reformada. Veja, por exemplo, as
ementas de Psicologia e Sociologia do currículo atual:
Psicologia Geral (CG07):
Investiga os aspectos psicológicos da personalidade humana. Inclui os
fundamentos da Psicologia e das principais escolas de Psicologia à luz da
Teologia Reformada. Envolve análise crítica, engajamento e reflexão teológica.
Sociologia Geral (CG10):
Introduz os alunos aos conceitos básicos da Sociologia. Estuda o fato social,
grupos sociais, método sociológico, elementos estruturais, atividades e funções
dos grupos, fatores da vida e do progresso social, sob a ótica
bíblico-reformada.
Se a proposta do modelo híbrido fosse aprovada, nós
perderíamos este prisma cristão sobre várias disciplinas.
2) Em um curso hibrido, com 4 anos de faculdade
normal, perderíamos o ambiente de piedade e comunhão entre futuros pastores,
próprio dos nossos seminários. Qualquer faculdade vinculada ao MEC tem de ter
vestibular aberto a quaisquer interessados. Teríamos, portanto, estudantes não
interessados no ministério sagrado e, possivelmente, até não crentes fazendo o
curso. Lembro-me que quando cursei a pós-graduação em Ciências da Religião, na
Universidade Presbiteriana Mackenzie, tinha como colega de classe uma jovem
espírita.
3) Em um curso híbrido perderíamos também o
“currículo informal”, isto é, o aprendizado a partir do exemplo e da
convivência com professores, em sua maioria, pastores. Em um curso híbrido,
reconhecido pelo MEC, o corpo docente não necessariamente seria de pastores.
Hoje em nossos seminários o convívio com pastores é um currículo a parte. O relato
de suas experiências no campo, de como lidam com problemas ministeriais e do
dia-a-dia da igreja é algo que não pode ser perdido, pois é precioso ao aluno.
10º Mito:
Presbitérios podem enviar seus candidatos a seminários que não são da IPB
Não. Pelas nossas leis,
presbitérios não podem enviar candidatos a seminários de fora da IPB. Pouca
gente observa o que prescreve o artigo 118 da nossa Constituição. É um artigo
difícil de ser interpretado, mas acompanhe o raciocínio:
O artigo diz: "Ninguém
poderá apresentar-se para licenciatura sem que tenha completado o estudo das
matérias dos cursos regulares de qualquer dos seminários da Igreja
Presbiteriana do Brasil." Observe: Ninguém pode se apresentar sem ter
completado as matérias dos cursos regulares de qualquer dos seminários da IPB.
Este artigo fecha as portas para alguém fazer outro seminário, que não um dos 8
seminários da IPB.
Mas, e o parágrafo 1º? Ele não
permite que um presbitério encaminhe aluno para seminário não presbiteriano?
Não permite. Observe bem o que ele diz: "§ 1º. Em casos excepcionais,
poderá ser aceito para licenciatura candidato que tenha feito curso em outro
seminário idôneo ou que tenha feito um curso teológico de conformidade com o
programa que lhe tenha sido traçado pelo Presbitério."
O artigo não fala que, em
casos excepcionais poderá ser enviado para outro seminário. Mas fala do
candidato que está se apresentando para licenciatura e já fez um curso em outro
seminário. Veja novamente: "candidato que tenha feito curso em outro seminário".
Ele já está no final do processo, com curso pronto. Os legisladores
vislumbraram a situação de alguém que veio de outra denominação com um curso
concluído e agora quer ser ordenado na IPB. Neste caso, de acordo com as
últimas resoluções do Supremo Concílio, o presbitério deve juntar toda a
documentação do seminário deste candidato e enviá-la à Junta de Educação
Teológica da IPB para que ela averigue a idoneidade do Seminário. Mas, o envio
do candidato, no início do processo, deve ser a um seminário da IPB.
Note que o caput do Artigo 118
fala da regra: ninguém pode se apresentar sem curso de seminário da IPB. Ele
abrange o envio do candidato. Já o parágrafo 1º não trata do envio, mas da
excepcionalidade de se receber alguém com curso pronto, vindo de outra
denominação. E isso não pode anular a regra estabelecida no caput. Na última
reunião do Supremo Concílio, em 2010, foi reafirmada a resolução da CE-2008,
justamente com a interpretação dada acima:
“CE-SC/IPB-2008
RESOLVE: 1. Tomar conhecimento; 2. Responder que são seminários idôneos aqueles
cujos conteúdos programáticos oferecidos estejam de acordo com a
confessionalidade da Igreja Presbiteriana do Brasil; 3. Responder que a
competência para aferir a idoneidade dos seminários é da JET, segundo decisões SC-94-024
- Doc. CCXXVIII; CE-SC/IPB-2000-Doc.CV; 4. Reafirmar a resolução SC-70-097-
Recomendar a todos os presbitérios da IPB que encaminhem os seus candidatos ao
Sagrado Ministério aos seminários da Igreja Presbiteriana do Brasil".
(SC/IPB-2010 - DOC.CXLIII)
Louvado
seja Deus, pois mesmo com as falhas próprias de sistemas conduzidos por homens,
a educação teológica de nossa Igreja vai muito bem e tende a ficar ainda melhor.
A JET tem feito um trabalho primoroso na superintendência dos seminários e
institutos bíblicos de nossa denominação e está trabalhando agora na
padronização dos conteúdos programáticos dos Seminários, para aprovação do
próximo SC. Isto fortalecerá e consolidará a formação teológica de nossa Igreja.
Que o
Senhor da Seara continue enviando trabalhadores (Mt 9.38) e que nós, conselhos,
presbitérios e seminários, sejamos zelosos na preparação deles.