Por Kelson Mota.
Após
uma aula sobre entropia e probabilidade, nos corredores de uma querida
universidade gaúcha, um aluno me aborda:
- Professor,
posso falar um pouco contigo?
- Diga! Qual
o problema?
- Sua aula
sobre entropia e probabilidade. Me deixou confuso.
- Em que
sentido?
- Dá a
entender que há um sentido por trás de todas as coisas.
- E não há?
- Eu acho
que a vida não tem sentido algum. Um completo absurdo.
- Entendo...
Por que estás fazendo uma faculdade de engenharia?
- Bem,
preciso ter uma direção na vida?
- Por quê?
Em sua visão, a vida não tem sentido, logo por que perder tempo em algo que é
absurdo?
- Já pensei
nisso. Mas sua aula dá a impressão que há um sentido. Há?
- Se não há
sentido na vida, não há sentido em sua pergunta e nem em nossa conversa. A não
ser que desconfies que sua visão esteja errada. Estou certo?
- Talvez...
Como posso saber? Tudo é tão além de qualquer significado real...
- Existe
algo fundamental que sustenta toda a realidade e empresta significado real a
todas as coisas e dá-lhes um sentido e propósito. Negar este fato é ficar na
beira do abismo do ser, olhando o vazio.
- E o que é
isso?
- Não
desconfias?
- O senhor
está falando de Deus?
-
Precisamente dEle.
- Não sei se
acredito nisso.
- Se não há
Deus o que resta ao homem?
- Ora, todas
as coisas... eu acho...
- Cite uma.
- Bem, a
vida. Que tal?
- Se não há
Deus, a vida é, na melhor das hipóteses, apenas um acidente entre dois
esquecimentos. Nascemos por mero acaso biológico e morremos no decurso
temporal. O que veio antes e o que será depois não tem importância ou sentido,
pois a vida ter-se-á sumido. Nada veio antes e nada ficará depois. Logo a vida
é uma ilusão e os desejos do homem um absurdo. Cite outra.
- Bem, o
homem pode sonhar com sua evolução pessoal.
- Como, se
ele morre e depois nada resta? Qualquer legado que deixar ou sonhar cedo ou
tarde se apagará. O sonho é, portanto mais ilusório que a vida, caso não
consideremos a existência de um Criador. O que achas?
- Eu não
sei... Começo a achar que deve ter algum sentido nessa vida, mas não sei se
Deus é a resposta.
- Entendo...
Veja, se não há um Deus Criador, pessoal e amoroso, então o universo sempre
existiu de uma forma ou de outra por si mesmo, autônomo. Sem Deus, sobra apenas
a matéria incriada, sem sentido, sem moral, sem justiça. Interações caóticas de
partículas que, em um momento de fenomenal absurdo, geraram seres que imaginam
pensar viver, mas são apenas reflexos de matéria inanimada. Um simulacro de
movimento, um espasmo de forças materiais. Está acompanhando?
- Sim...
- Pois bem,
a organização desses seres é apenas acidental, pois se só há o universo, o
conceito de bem, mal, moral, justiça, altruísmo, bondade são apenas ilusões. Os
sonhos humanos são feitos de material ainda mais frágil, pois que são
transitórios. Não resta nada ao homem além do absurdo da vida em um universo
não vital, impessoal e indiferente. Não importa o que ele intentar fazer,
sonhar ou construir, ao fim e ao cabo será sem sentido, sem pertinência, sem
transcendência. O que nos traz de volta a você.
- O que
tenho a ver com isso?
- Se Deus
não existe não há base para sua desconfiança que haja algum sentido nessa vida.
Vá viver e morrer sua existência miserável em qualquer lugar ou situação que
escolher. Não fará diferença. Agora, se Deus existe, há um sentido para essa
vida e para todas as nossas escolhas e decisões. E a forma de viver e morrer
faz toda a diferença. Entendes?
- Então há
um sentido?
- A questão
que sobra não é se a vida tem sentido, mas se há ou não um Deus sobre todos
nós. A primeira decorre da segunda. A idéia de um sentido existencial só faz
sentido em relação a uma realidade superior.
- Mas, e se
não houver um criador?
- Então meu
caro, se nossa esperança se resume apenas a esta vida, a humanidade tem uma
existência mais infeliz e miserável que o menor dos vermes de nosso planeta,
que nada cogita dessas coisas e vive apenas a procura da próximo oportunidade
de forrar o estômago. Não gera consolo ou sentido a vida sem a existência de um
Criador.
***
Semana seguinte, em meu gabinete na UFRGS, alguém bate a porta e a entreabre.
- Professor,
o senhor tem um tempinho para mim? – o mesmo aluno do corredor.
- Pode
entrar. Alguma dúvida da aula?
- Não, não é
isso. Estou gostando de uma garota...
- Aãhh? E o
que tenho a ver com isso? – Pergunto cuidadosamente, como que pisando em ovos.
- É que ela
é como eu, não acredita em um sentido para a vida.
- Volto a
perguntar: o que isso tem a ver comigo?
- Bem, tenho
medo que ela se mate... Ela está meio que numa fase suicida.
- Entendo...
E por que te preocupas com isso? Deixe que se mate – e volto meu olhar para o
papel em que rabiscava algo.
- Professor!
Fala sério! – e sua expressão alarmada não provoca nenhuma alteração em minha
face tranquila.
- Estou
falando e te levando muito a sério. Considero seriamente quando dizes que não
acreditas em um sentido para a vida. Se a vida não tem sentido, por que te
preocupas com a vida dessa moça? A vida não tem sentido, é o que você crê.
Logo, a vida dela também não tem sentido. Sua preocupação não faz sentido.
Deixe que morra. Aliás, nessa sua cosmovisão, nem mesmo minha afirmação faz
qualquer sentido.
- Mas a vida
tem que ter algum sentido!! Qualquer um!!
À sua expressão de desalento respondo com um olhar silencioso. Após uma pausa,
para que ele tivesse consciência de sua afirmação, respondo:
- Muito bem,
então estás desconfiado que a vida não é apenas um mero absurdo. Pergunto, o
que sentes por ela tem sentido e significado para ti?
- Sim... –
responde acabrunhado, olhando para o chão.
- É real? Ou
apenas ilusório?
- É real.
- Pois bem,
escute atentamente o que vou dizer: a vida tem sentido, nossas palavras têm
significado, nossas escolhas são reais e buscamos e lutamos por realização
verdadeira. Por quê? Porque somos reflexos dAquele que nos criou. NEle
encontramos sentido, significado e realização. Sem Ele, o homem se encontra só,
assustado, na escuridão de seu próprio coração. O que sentes por essa garota
tem significado especial, porque o Senhor Deus colocou em teu coração a
capacidade de amar, de se importar com outro alguém. Entendes?
- Acho que
sim. Mas o que posso fazer para convencê-la a não se matar?
- Você?
Nada! Um cego não pode guiar outro cego. Primeiro, deves estar seguro do
sentido da vida para ti. Não podes convencê-la disso, se você mesmo não
entende. Fazê-lo, seria hipocrisia ou mesmo loucura.
- Mas,
alguma coisa tenho de fazer por ela, até que eu possa compreender. O senhor não
tem alguma sugestão?
- Ela gosta
de ler?
- Muito.
- Então
posso sugerir um ou dois livros que talvez façam alguma diferença.
- Acho que
não precisa. Eu já dei um de presente para ela, na semana passada.
- Mesmo? Que
bom. Qual livro deste.
- “A peste”,
de Camus – e abre um orgulhoso sorriso.
- Por que
não deste logo um revolver para ela se matar? Você tá louco?!
- Como
assim, professor? – e todo sorriso se transforma em uma expressão assustada.
- Como “como
assim”? Se a garota está em um estado suicida, como pôde dar para ela ler um
clássico niilista? É pedir para se matar. Só faltou a presenteares com
Nietzsche e um pacote de cianureto.
- Mas o
livro fala da falta de sentido da vida...
- Que é
precisamente o motivo dela querer se matar. Você não entende o que lê?
- Nem pensei
nisso... o livro é tão viajante...
***
Duas
semanas depois, em meu gabinete, volto a receber a visita já familiar do meu
aluno confuso favorito, que ao entrar na sala dispara a falar.
-
Professor, ela adorou o livro que o senhor sugeriu e está começando a ler o
segundo. Eu já li os dois e estou cheio de dúvidas. Qual é exatamente a
natureza do grande abismo? O que era o lagarto no pescoço do homem? Como o
cristianismo pode ser diferenciado de um mito? Como...
-
Calma, está na hora do lanche. Vamos ao café do Antonio e lá poderemos
conversar com tranquilidade.
E
devagar, compartilhando um suco e um café, converso a respeito dos livros de
C.S. Lewis, da vida do Filho de Deus e seu sacrifício, de minhas próprias
inquietações e de minha vida anterior no ateísmo. Respondo suas perguntas e
faço outras tantas. Ele ainda não está convencido da veracidade do cristianismo,
mas já considera a existência de um Criador como algo digno de sua total
atenção.
Despedimos-nos
com um caloroso aperto de mão. Em meu coração suspiro uma breve oração a seu
favor, por iluminação e entendimento.
Meses
depois o reencontrei nos corredores do Instituto de Química, estava apressado.
Perguntei-lhe sobre a moça, alvo de seus afetos.
-
Ela saiu da fase depressiva e suicida. Agora está em outra. Encontrou um super
grupo cristão, bem básico, e está lendo Thomás de Aquino.
-
Sério? Que grupo é esse? – Pergunto desconfiado, pois nunca soube de um grupo
básico que lesse Thomás de Aquino.
-
É uma turma modernosa e acolhedora chamada Opus Dei.
-
Você sabe o que é a Opus Dei?
-
Sei não, acho que é um grupo que gosta de comunhão pelo tanto que a chamam para
reuniões a portas fechadas. Só entra quem é convidado. Tô pensando em me
convidar. O que o senhor acha?
-
Ai, ai, ai...
E começa tudo novamente...