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December 10, 2019

Reformando o Culto: Reverência, a Tradição Reformada e a Crise do Culto Protestante - D. G. Hart



Dentro dos círculos evangélicos, tanto clero quanto laicato estão dando grande atenção ao culto. As congregações cantam “cânticos de louvor” (completos com projetores e guitarras) ou corais treinados (completos com becas e órgão de tubos) deveriam cantar as grandes obras da música sacra? Os cultos deveriam ser atualizados para serem mais amigáveis, mais acessíveis aos “sem igreja” ou deveriam continuar com seus padrões tradicionais, mesmo que causassem estranheza a visitantes? O pastor deveria ser o único líder do culto ou o laicato também poderia conduzir o culto, seja orando ou cantando? Numa cultura que acha muito falatório entediante, o sermão de 35 minutos deveria continuar a ser um elemento central do culto ou as congregações deveriam se abrir para formas menos verbais de expressão, como dança litúrgica e teatro? Essas são as perguntas que atormentam não apenas evangélicos, mas também congregações presbiterianas e reformadas na América do Norte e, cada vez mais, no resto mundo.
Frustrados pelo que compreendem como superficialidade e vazio de muito do culto contemporâneo, alguns conservadores abandonaram comunhões evangélicas e reformadas rumo à Igreja Episcopal, mas também à Igreja Ortodoxa Oriental e a Igreja Católica Romana. Essas pessoas estão cheias desse culto que, segundo um crítico, é “uma coisa personalista, subjetiva e improvisada”. Ninguém consegue concordar com o que é o culto. “É bater num tamborim, participar em evangelismo, oração, cantoria, falar em línguas – é o quê?”
O que é curioso sobre o descontentamento contemporâneo com o culto é que a trajetória tomada por aqueles que estão partindo rumo a Cantuária, Roma e Constantinopla nunca passa por Genebra. No entanto, o culto reformado jamais foi hospitaleiro ao subjetivismo, individualismo e banalidade das quais esses peregrinos estão fugindo. Evelyn Underhill, em seu livro, Adoração (1936), descreveu o culto de João Calvino como um “puritanismo austero” que “em última instância, concentrava-se no Deus Eterno em sua majestade não vista” e que “tem um esplendor e valor espiritual que lhe é próprio”. O culto reformado, continuou Underhill, era “um poderoso corretivo contra a piedade humanística, comunicando a verdade permanente da realidade única de Deus e de seu total zelo, além da pobreza, dependência e obrigação do homem”. Isso parece que seria um bem-vindo corretivo ao espírito antropocêntrico e terapêutico que caracteriza tantos cultos de hoje.
Então, por que os críticos do culto evangelical não estão tirando o pó de suas cópias das Ordenanças Eclesiásticas, de Calvino, e do Saltério Genebrino? A descrição do culto de Calvino feita por Underhill fornece pistas para uma resposta.
Não eram permitidos em suas igrejas nenhum órgão, nem coral; nenhuma cor, nem ornamento, senão uma mesa e os Dez Mandamentos na parede. Nenhum ato, nem gestos cerimoniais eram permitidos. Nenhum hino era cantado, senão aqueles derivados de alguma fonte bíblica.
As pessoas que buscam uma liturgia elaborada, experiência elevada e muito drama não são muito atraídas pelo culto reformado. Os críticos argumentam que a tradição reformada despiu o culto, negando elementos humanos do culto, o que deixou os presbiterianos sem liturgia ou ritual, portanto, sem espaço para a presença sacramental no culto.
No entanto, essa crítica ao culto reformado – que provavelmente encontraria apoio entre muitos calvinistas – não entende o que é liturgia e sacramento. Afinal de contas, toda igreja tem uma liturgia, independentemente de os membros se conceberem litúrgicos ou não. A liturgia é apenas a forma e ordem do culto. Tanto a mais alta missa anglo-católica quanto o mais baixo culto “de louvor e adoração” evangelical são litúrgicos no sentido mais estrito da palavra. Obviamente, eles diferem dramaticamente em liturgia, mas ambos incorporam uma forma e ordem de culto. Até mesmo Underhill, que criticava Calvino, reconheceu o caráter litúrgico da adoração reformada: “o interior sombrio de uma verdadeira igreja calvinista é, em si mesmo, sacramental: um testemunho da inadequação humana diante do Divino”.
De uma perspectiva diferente, então, o culto reformado pode ser do tipo mais elevado ou do tipo mais comum de culto, pois Calvino esmerou-se por fazer todo aspecto do culto – do desenho do interior da igreja ao modo de cantar – conformar-se ao caráter e à graça do Deus que se revelou em Cristo e nas Escrituras. De fato, a teologia de Calvino e sua compreensão acerca do culto parecem se encaixar e se reforçar tão bem que é de se admirar que as pessoas de tradição reformada possam querer tentar manter a teologia calvinista consistentemente sem entusiasticamente abraçar os elementos e o caráter do culto reformado como formulados e praticados nos séculos XVI e XVII.
Calvino e o Culto
    Invocação
Princípios do Culto Reformado
O Impulso Revisionista
Uma Questão de Reverência

Um axioma da teologia de João Calvino era a importância e centralidade do culto de adoração para uma genuína fé e prática cristã. De fato, Calvino punha o culto antes da salvação em sua lista das duas mais importantes facetas da religião bíblica. Ele escreveu que a religião cristã preserva sua verdade por meio de “um conhecimento, primeiramente, do modo como Deus é devidamente cultuado; e, segundamente, da fonte de onde a salvação é obtida”.[1]
Calvino também observou que a primeira tábua da lei – os quatro primeiros mandamentos – todos se relacionavam diretamente com o culto, tornando-o, assim, “o primeiro fundamento da justiça”. 
A proeminência do culto levou Calvino a articular o seu princípio regulador, um dos marcos da tradição reformada. O princípio regulador ensina que o culto público é governado pela revelação de Deus em sua Santa Palavra: quaisquer elementos que componham o culto público devem ser diretamente ordenados por Deus na Escritura. O fato de uma congregação sempre ter cultuado de um modo particular ou de uma determinada prática advir de piedade sincera são justificativas insuficientes para esse culto. Segundo Calvino, Deus não apenas “considera infrutíferos, mas também totalmente abomina” o que quer que não se conforme à sua vontade revelada. “As palavras de Deus são claras e distintas”, escreveu Calvino, “’Obedecer é melhor do que o sacrificar’. ‘E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens.’ (1 Sm 15:22, Mt 15:9)”.[2]
O desejo de obedecer a Deus não apenas moldou a concepção de Calvino do princípio regular, mas igualmente importante era sua compreensão da depravação humana. O efeito principal da primeira transgressão de Adão foi transformar todas as pessoas em idólatras. Calvino cria que todos os indivíduos possuíam uma semente de religião ou um sentido de Deus em suas almas, mas, após a queda, esse sentido religioso não levava mais ao verdadeiro Deus, antes, forçava homens e mulheres a criarem deuses à sua imagem, deuses que se conformavam a seu egoísmo e vaidade. A tentação da idolatria exigia que os cristãos estivessem sempre vigilantes em regrar seu culto pelas ordens diretas de Deus na Escritura. Essa tentação deixava Calvino especialmente suspeitoso de práticas no culto que eram tidas como agradáveis ou atraentes aos membros da congregação. Sobre as práticas, ele disse que “tanto mais suspeitas são para os fiéis quanto mais deleitam o intelecto humano”.[3]
A teologia do culto de Calvino exigiu reformas das práticas católicas romanas que ele encontrou em Genebra, mas a necessidade de reforma nem significou o abandono da liturgia, muito menos exigiu a eliminação de todos os elementos da liturgia católica. Os reformadores purificaram as práticas de seus dias, transformaram o conteúdo teológico e espiritual do culto cristão, mas eles não criaram uma nova ordem de culto do nada. Ao invés disso, eles alteraram os elementos de culto para se conformarem à teologia da Reforma. A liturgia em Calvino, por exemplo, demonstra continuidade com o passado ao mesmo tempo em que reflete mudanças derivadas de novas percepções na revelação de Deus. A ordem de culto era basicamente a seguinte:
    Confissão de Pecados
    Oração por Perdão
    Cântico de um Salmo
    Oração por Iluminação
    Lições da Escritura
    Sermão
    Coleta das Ofertas
    Orações de Intercessão
    Credo Apostólico (cantado enquanto os elementos da Ceia do Senhor são preparados)
    Palavras da Instituição
    Instrução e Exortação
    Comunhão (enquanto um salmo era cantado ou uma escritura era lida)
    Oração de Ação de Graças
    Bênção
Embora Calvino tenha seguido um padrão regular em seus cultos, ele não acreditava ser possível prescrever todas as questões concernentes à adoração. Ele reconhecia que havia questões incidentais não determinadas pela Escritura. Nesses casos, as igrejas tinham a Liberdade, sob as diretrizes gerais da Bíblia, de implementar práticas que honrariam a Deus e edificariam seu povo. Apesar de o princípio regulador ensinar que uma prática específica devesse ser comandada pela Palavra de Deus, ele também garante liberdade em áreas onde a Escritura não é explícita.
Embora Calvino e outros reformadores tenham hesitado em prescrever uma liturgia específica para todas as igrejas, em toda a Europa Ocidental, houve notável concordância entre as igrejas presbiterianas e reformadas sobre a natureza do culto do século XVI até boa parte do século XVIII. De fato, as instruções para o culto trabalhadas pelas igrejas reformadas, de Calvino à Assembleia de Westminster, sugerem cinco princípios que deveriam governar o culto na tradição reformada.
O primeiro é a centralidade da Palavra de Deus. A Palavra de Deus não apenas direciona a forma ou modo do culto, mas também abrange o conteúdo do culto. Ela é lida, cantada, vista (na Ceia do Senhor) e pregada. A centralidade da Palavra de Deus está especialmente evidente na ênfase reformada na pregação. Em contraste ao culto Católico Romano, onde o foco é a missa e o altar é a peça central da arquitetura eclesiástica, os reformadores tornaram a pregação a parte central do culto e puseram o púlpito no centro do santuário.
Um segundo princípio da teologia reformada, que é bastante relacionado ao primeiro, é que o culto é teocêntrico. O culto é centrado em Deus e seu objetivo deve ser a glória de Deus. Ele é a mais alta forma de comunhão entre Deus e seu povo, devendo ser feito em espírito e verdade. Não há nada que Deus odeie mais do que o falso culto. O culto é absolutamente necessário à fé e prática cristãs porque Deus o ordena e Ele nos constituiu de tal modo que o culto é essencial para o fortalecimento de nossa vida espiritual.
Isso significa que o culto não é feito para evangelismo. O fato de os cultos no Dia do Senhor terem se tornado “sensíveis aos que buscam” mostram uma perversão da natureza do culto. O culto público é para o povo de Deus, pois apenas o seu povo é que pode adorá-lo em espírito e em verdade. Os descrentes devem ser bem-vindos e encorajados a ouvir a pregação da palavra, o que o Breve Catecismo de Westminster descreve como sendo meios “especialmente” eficazes de “convencer e converter pecadores”.[4] Não obstante, o modo pelo qual Deus traz pessoas a si não deveria nos fazer confundir a natureza do culto. Se nós incorporarmos evangelismo ao culto, isso é apenas um sinal de preguiça, não uma indicação de que peritos em crescimento de igrejas estão certos. Cultos evangelísticos têm seu lugar e a Igreja precisa levar a sério a Grande Comissão, mas o discipulado também é parte das instruções de Cristo a seus discípulos e o culto é um dos principais meios pelos quais “as bênçãos da redenção de Cristo”[5] nos são aplicadas.
O caráter dialógico do encontro de Deus com seu povo é o terceiro princípio que governa o culto reformado. O culto público ou corporativo é o encontro de Deus com seu povo. Os crentes vêm por convite dele e são recebidos à presença dele. Deus fala por meio da invocação, da leitura da Palavra, do sermão e da bênção. Os adoradores respondem em canto, oração e confissão de fé.
Esse caráter dialógico do culto levanta a questão bastante debatida de sentimentos ou emoções no culto. Para muitos que estão fora e para muitos [autoproclamados] porta-vozes de jovens nas igrejas reformadas (adolescentes frequentemente demonstram compreensão de culto melhor que seus pais), o culto parece tedioso e repressivo. Muitos querem que a igreja seja mais aberta, expressiva e emotiva. Ainda assim, o que muitos desses críticos parecem não entender é que que Deus nos disse em sua palavra como nós devemos reagir a Ele. No culto, nós reagimos a Deus através de canto, oração e confissão de fé. Para alguns, no entanto, esse não parece ser o veículo mais apropriado para reagir. Eles prefeririam reagir a Deus do mesmo modo como reagiriam ou participariam em um show de rock, um jogo no estádio[6] ou uma apresentação de uma orquestra.
Reparar na afinidade entre o entretenimento moderno e o culto contemporâneo é apontar com precisão uma das fontes de equívoco em muito do pensamento atual sobre culto, pois há uma vasta diferença entre reagir a entretenimento e entre ouvir e submeter-se à palavra de Deus. No entanto, isso passa despercebido em muitos membros de comitês de culto em muitas congregações presbiterianas e reformadas.
Muitos indivíduos chegam ao culto esperando expressar emoções e afeições pessoais como parte de sua reação a Deus. O que eles erram em reconhecer é que o culto na igreja é corporativo, portanto, deveria ser apropriado ao que pessoas podem fazer como um corpo ou grupo. O Diretório de Culto de Westminster, que foi escritos pelos teólogos de Westminster, é justamente isso: um guia para o culto público ou corporativo. Em nossas casas de culto, nós adoramos como povo, não como indivíduos.
Uma analogia que ajuda a explicar isso é a relação entre um pai e seus filhos. Um filho pode se expressar de um modo para seu pai quando estão sozinhos juntos. Há uma chance de ser mais íntimo e expressivo. Contudo, quando o mesmo filho está na presença do pai juntamente com seus dois irmãos e duas irmãs, ele normalmente não vai demonstrar o mesmo nível de intimidade ou afeição de quando ele e o pai estão sós. Seria rude, por exemplo, que esse filho esperasse sentar no colo do pai se essa demonstração de afeição sugerisse favoritismo ou se tornasse uma barreira à comunicação e comunhão dos outros filhos com o pai. No entanto, é virtualmente isso que acontece quando alguns membros da congregação querem que seus sentimentos pessoais sejam incorporados ao culto.
O quarto princípio do culto reformado é simplicidade. A plena revelação de Deus em Cristo na Nova Aliança significa que os cristãos não são mais dependentes dos elementos infantis e carnais da Antiga Aliança. Por causa da obra de Cristo, os crentes já podem se sentar com Ele, em glória, quando se reúnem para cultuar. Esse aspecto da obra de Cristo grandemente reduz a necessidade para apoios visíveis ou materiais no culto. Simplicidade no culto, portanto, está intimamente relacionada a espiritualidade. Na Nova Aliança, segundo a teologia reformada, Deus está mais plenamente presente com seu povo do que na Antiga Aliança, mas essa presença é espiritual, não física. A ordem de Cristo para que seus seguidores o adorem em espírito e verdade é consoante com o novo arranjo entre Deus e seu povo.
A simplicidade também sugere rotina. Os cultos evangélicos contemporâneos têm sido tão repaginados e ensaiados num esforço para manipular a congregação a uma experiência de culto que parece que os diferentes elementos de culto foram desenhados para despertar sentimentos ou emoções que seriam, de algum modo, mais íntimas e mais expressivas da comunhão com Deus. Em outras palavras, muitos cultos públicos contemporâneos chamam atenção para o culto em si e para seus dirigentes. Muitos desses cultos são concebidos por pessoas que se consideram devotas e acreditam que, se a congregação apenas seguir seu exemplo, ela também terá uma íntima experiência com Deus (eles são até chamados de “líderes de louvor”).
Em contraste, o culto reformado mantém que o culto não deveria ser original ou criativo. Ao invés disso, ele deveria ser rotineiro, ordinário e habitual. C.S. Lewis não era nenhum teólogo reformado, mas ainda assim enunciou um ponto que é apoiado pela tradição reformada quando disse que um culto público “funciona melhor quando, através de longa familiaridade, nós não temos que pensar sobre ele”. “O perfeito culto na igreja”, ele acrescentou, “seria aquele a que nós mal notássemos, aquele onde toda a nossa atenção estivesse em Deus.”[7]
Tudo isso é impedido pela novidade. A novidade fixa nossa atenção no próprio culto; e pensar acerca do culto é diferente de cultuar. […] “É louca a idolatria que engradece mais o culto do que o deus”. Mas ainda pode acontecer algo pior. A novidade pode fazer com que nossa atenção não se centre no culto, mas no celebrante. […] Verdadeiramente, pode-se desculparo homem que disse: “Eu gostaria que eles se lembrassem de que a tarefa encomendada a Pedro foi ‘apascenta minhas ovelhas’, não ‘faze experimentos em meus ratos’, nem ‘ensina novos truques a meus cães adestrados’”.[8]
O quinto e último – e, talvez, o mais importante – princípio do culto reformado é a reverência. Segundo Calvino, a “religião pura e real” se manifestava através da “fé aliada a sério temor de Deus, de modo que o temor em si contém reverência espontânea”. O culto deveria ser digno e reverente, mas ele não atinge essas qualidades mediante cerimônias muito elaboradas ou liturgias complexas. De fato, Calvino acreditava que onde “grande é a ostentação em cerimônias, rara, porém, é a sinceridade de coração”.[9]
Diferentemente do que alguns críticos do culto reformado têm acusado, isso não significa que o culto não tenha lugar para alegria ou emoção. A alegria deve ser uma parte do culto, juntamente com uma gama completa de emoções – i.e., tristeza, raiva, desejo, esperança e medo – mas a necessidade de reverência e decoro dita que qualquer expressão de emoção durante o culto deveria ser temperada por moderação e autocontrole. Para garantir que todo aspecto do culto seja feito decentemente e em boa ordem, a tradição reformada insiste que todo culto seja supervisionado pelos presbíteros, que têm responsabilidade pelo culto público, e que o ministro, que fala por Deus e pelo povo de Deus, lidere e dirija o culto.
Um modo útil de entender a reverência pode ser o de pensar no ethos de um culto fúnebre para um cristão professo (apesar de os teólogos de Westminster não aprovarem cultos fúnebres). Ali, nós contemplamos a morte de um amado, estamos cheios de tristeza e somos lembrados de nossas próprias fraquezas. Ainda assim, quando o falecido é um crente, o culto também é uma ocasião para alegria porque cremos que Deus chamou um de seus filhos para estar com Ele que aquele crente foi “aperfeiçoado em santidade” e entrou “imediatamente na glória”.[10]
Por que um culto público deveria ser diferente? Em nossos cultos, a morte de Nosso Senhor é central. Claro, nós não paramos na morte de Cristo. Depois disso, nós nos regozijamos em sua ressurreição, sem a qual, diz o apóstolo, nós não teríamos esperança[11].  Ainda assim, a alegria que experimentamos em contemplar e adorar o nosso Salvador ressurreto é uma emoção que vem sempre tingida de gravidade e humildade. Não é a alegria de uma festa celebrando o campeonato nacional de um time esportivo; é uma alegria que não apenas reconhece o sofrimento e morte de Jesus Cristo, mas também reconhece nossa própria cumplicidade, devido ao nosso pecado, em dor e morte cheias de ignomínia.
Os padrões e as ideias sobre culto permaneceram relativamente constantes na prática reformada e presbiteriana, mas, nos últimos 20 anos, a teologia e prática do culto reformado têm sido levado aos limites.[12] Várias denominações tentaram revisar seus diretórios de culto, enquanto incontáveis congregações estabeleceram comissões de liturgia cuja única função para ser modernizar o culto. Embora em alguns casos as mudanças propostas tenham sido guiadas por considerações reformadas e biblicamente sãs, eles também expõem um descontentamento genuíno com o culto dentro do arraial reformado. Esse descontentamento provavelmente foi mais bem resumido num relatório recente de uma denominação presbiteriana conservadora:
Há uma insatisfação geral ou, pelo menos, uma generalizada falta de uso na igreja do atual Diretório. Há partes do atual Diretório que estão tão datadas (e.g., “o imponente ritmo do coral”) que tem de haver uma revisão completa. No entanto, não há consenso de aonde a igreja quer ir em matéria de culto. A situação atual na igreja em relação do culto é diversa, variando de uma quase anarquia litúrgica a outros que sentem que cantar hinos não inspirados constituem uma violação do princípio regulador.
Como se chegou ao atual estado? Alguns talvez apontem a novas perspectivas bíblicas que os velhos hábitos de culto e sua teologia subjacente estavam muito mais ligados a uma forma de expressão cultural específica do que ao ensinamento da Palavra de Deus. Outros citam o crescimento limitado das igrejas que não mudam seu culto e a falta de capacidade do culto tradicional de atrair a juventude cristã como fatos que exijam que o culto seja tornado relevante e livre dos padrões mais antigos – e, supostamente, humanos – de culto. Outros enxergam esse descontentamento em matéria de culto como claras indicações de um abandono da teologia de culto reformada.
Muitas das mudanças de pensamento sobre o culto nos últimos 25 anos se originam em transformações significantes da cultura americana. Os velhos modos de cultuar não parecem mais plausíveis; parecem inefetivos, se não estranhos. O ministério efetivo da Igreja, alguns diriam, exige que ela se mantenha em dia em contextualizar o evangelho a fim de torná-lo compreensível para a cultura contemporânea. Se isso significar abandonar o modo de culto que data dos anos 1930, que seja assim. Contanto que o conteúdo do culto seja são, a forma realmente não importa. Assim, as mudanças no culto são apenas alterações de forma: abandona-se o estilo dos anos 1930 em favor da cultura dos anos 1990.
É irônico que crentes consigam ser tão acríticos das expressões culturais contemporâneas, levando-os a pensar que o estilo dos anos 1990 seja adequado ao culto, quando os mesmos crentes ficam tão alarmados com os males dessa mesma cultura. Também é notável quantos calvinistas, que insistem que tudo seja feito para a glória de Deus tão frequentemente julguem um culto conforme ele seja agradável a homens, mulheres e, especialmente, adolescentes.
A maioria dos cristãos concordaria que o povo de Deus está em tempos difíceis. A Igreja enfrenta políticas injustas da parte do governo, o relativismo moral do sistema de ensino e a decadência da mídia. Ainda assim, poucos parecem reconhecer os perigos mais sutis da cultura americana. Uma das mais insidiosas e sutis influências na igreja vem da mídia e da indústria do entretenimento. Os ministros frequentemente pregam sobre os perigos escancarados de Hollywood, alertando contra sexo, violência e desrespeito pela religião em muitos filmes, programas de TV e músicas populares. Uma influência muito mais perigosa, contudo, é o modo como a cultura popular alterou as atitudes em relação ao culto.
A cultura popular tem promovido uma mudança significativa nas percepções sobre o culto público. Cada vez mais, os cristãos exibem vontade de considerar seu tempo juntos coletivamente do mesmo modo como pensam em formas públicas de entretenimento. O culto vira uma apresentação para uma congregação. Não há mais a convicção de que a audiência do culto não é a congregação, mas o próprio Deus.
Ainda mais alarmante é o modo como a cultura popular gestou um ethos de informalidade, de quebra de distinções entre o que é solene e o que é desrespeitoso. O culto mais antigo parece defasado – a frase “o imponente ritmo do coral” não faz sentido – porque nossa cultura despreza ou não tem uso para aquilo que é digno e majestoso. O que torna expressões contemporâneas ou populares de culto questionáveis a partir de uma perspectiva reformada não é que elas não sejam de alta cultura – embora as orações, adoração e música dos cultos de hoje sejam frequentemente triviais. Crentes podem adorar a Deus gostando ou não de uma sonata de Mozart ou de uma escultura de Michelangelo. Ao invés disso, o problema de muito do culto contemporâneo é que ele não reconhece a percepção do calvinismo, a saber, que as pessoas (cristãos, inclusive) são constantemente tentadas a moldar Deus às suas próprias imagens. O culto reflete a concepção de Deus que um povo tem. Muitas das inovações no culto moderno comunicam uma imagem errada de Deus. O culto é uma declaração de convicção teológica sobre quem Deus é e sobre quem nós somos enquanto seu povo, o povo da aliança.
A teologia reformada sempre manteve que, quando crentes se reúnem no Dia do Senhor, suas práticas devem refletir humildade e reverência. Os cristãos vêm perante o Santo e Transcendente, que é o justo Juiz do universo, a quem homens e mulheres ofendem diariamente e que maravilhosamente providenciou um caminho de salvação mediante seu Filho, Jesus Cristo. O culto deveria ser um lembrete do golfo entre Deus e pecadores, do que Deus fez para superar esse golfo para que os crentes não caíssem num falso entendimento de Deus. No culto, os cristãos professam e honram o caráter do Deus em cuja presença eles entram e que os tirou de um estado de pecado e miséria. O culto, portanto, não é algo a ser feito de modo leve ou sem séria consideração.
As formas e estilo da cultura contemporânea não conseguem ter a dignidade e respeito que deveriam caracterizar a postura interna e externa de cristãos quando eles se aproximam do trono de Deus. Embora haja um apelo terapêutico em pensar no culto como se se entrasse num bar aonde Deus serve como o garçom amigo, sempre pronto a ouvir o que temos a dizer e a limpar nossas lágrimas e nossas mesas, o Deus revelado na Escritura é um rei que se senta altivo em seu trono de glória, atento a palavras, pensamentos e emoções de seus súditos no que eles se reúnem perante a si.
Fique-se claro que esse rei também é nosso Pai. Contudo, à luz do que o 5º mandamento e o Apóstolo Paulo dizem acerca do respeito e temor que as crianças devem ter por seus pais, a imagem de Deus como nosso pai não permite indiferença ou frivolidade no culto. O culto recomendado e praticado por Calvino, Knox e pelos teólogos de Westminster refletem uma combinação reverente de alegria e temor. A maneira mais antiga de culto sempre foi restringida pelo senso de que qualquer exibição de irreverência ou desrespeito ofenderia Deus.
Ao invés de seguir os impulsos liberacionistas e irreverentes da cultura Americana, os calvinistas precisam, se quiserem ter algo a dizer nas discussões contemporâneas sobre culto, recuperar em sua teologia e prática de culto aquilo que o Salmo 2:11 fala quando diz que o povo de Deus deveria “alegrar-se com tremor”. Não há versículos melhores para caracterizar o culto reformado do que Hebreus 12:28-29. “Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor.”
Essa concepção tem caracterizado o culto presbiteriano e reformado desde a Reforma. É de se perguntar como que as igrejas reformadas conseguem reter sua herança teológica de modo significativo ao passo que abandonam a essência do culto reformado, tendo especialmente em vista que o culto semanal fornece o fundamento e reforço para a própria teologia que os crentes reformados confessam. O abandono do culto reformado pode pelo menos explicar por que aqueles que buscam um culto com dignidade e reverência partem frequentemente para comunhões não reformadas. Se as igrejas reformadas forem ser fiéis à sua teologia e forem oferecer às almas cansadas algum descanso da superficialidade e banalidade do culto evangélico contemporâneo, elas precisam recuperar a liturgia e a teologia de culto da tradição reformada: um culto que que leva a sério a noção de que Deus é, de fato, “um fogo consumidor”.
[1] CALVINO, João. A Necessidade de Reformar a Igreja. In: ORGANIZADOR. As Obras de João Calvino. Recife: Editora CLIRE, 2018. Vol. 1, p. 155.
[2] Idem
[3] Institutas IV.X.XI
[4] Breve Catecismo de Westminster, Pergunta 89.
[5] Idem, Pergunta 88
[6] No original, “um jogo de beisebol”.
[7] LEWIS, C.S. Oração: Cartas a Malcolm.
[8] Idem
[9] Institutas I.II.II
[10] Breve Catecismo de Westminster, Pergunta 37
[11] 1 Coríntios 15:19
[12] Mantenha em mente que o Dr. Hart escreveu este artigo em 1995.

Tradutor: Natan Cerqueira

Tatuagens e Piercings


Neste assunto, a primeira questão que deve ser analisada é a da motivação: Por que eu estou pensando em me tatuar ou em colocar um piercing? Para ser aceito pelos meus amigos? Para gerar um visual agressivo, para que as pessoas me respeitem? Para chocar minha família e aqueles que estão ao meu redor? Por que todas as minhas amigas estão fazendo? Por que acho bonito?
Note que nenhum desses motivos é aceitável a um cristão verdadeiro.

Primeiro: Você não precisa da aceitação de sua turma. Você precisa da aceitação de Deus para sua vida. Lembre-se de que alguns jovens usados pelo Senhor foram contrários aos padrões de sua época, nadando contra a correnteza, indo contra os costumes dos outros jovens, e foram aprovados por Deus por isso. O livro de Daniel nos dá vários exemplos.
Segundo: Para que um visual agressivo? Será que você precisa de elementos externos para conquistar respeito? Certamente que não. Você deve conquistar respeito através do seu caráter. Uma comunhão estreita com Deus fará de você alguém de caráter irrepreensível, e isso trará o respeito de todos ao teu redor.
Terceiro: Por qual motivo você quer chocar seus familiares ou seguir o que todo mundo está fazendo? O desejo de chocar as pessoas certamente não vem de Deus. Por mais revoltado que você esteja, este não é o caminho para resolver seus problemas. Busque mais comunhão com Deus e ele lhe ajudará com seus conflitos interiores. Sobre fazer o que todo mundo está fazendo, todos já sabemos a resposta. Não vos conformeis com este século! (Rm 12.2). Não é porque todo mundo está fazendo que eu devo fazer também. Devemos fazer aquilo que Deus manda.
Quarto: Simplesmente porque acho bonito. Aqui a questão envolve bom senso e prudência. O que é bonito hoje aos nossos olhos pode não ser daqui a 30 anos. Pegue fotos suas de 20 anos atrás e observe suas roupas. Provavelmente você não as usaria hoje. É muito temerário fazer uma marca irremovível no corpo. Algo que não poderá ser apagado, senão com laser e muito dinheiro. E quando chegarem as rugas? Como ficarão os desenhos? Muitas borboletas parecerão morcegos... Não é prudente.
Assim, vejo que há muito mais motivos para não usar estes adereços externos, do que para usá-los. Nossa vida deve ser pautada por fazer aquilo que exalta o nome de Deus e que faz as pessoas ao nosso redor olharem para nós e pensarem em Cristo. Tudo o que passar disso é, como diria C.S. Lewis, eternamente inútil.

November 9, 2019

J.C. Ryle sobre o Domingo




Uma coisa é utilizar o dia de descanso em obras de misericórdia, em serviço aos enfermos, em fazer o bem aos atribulados. Outra coisa totalmente diferente é utilizá-lo em diversões, festas e satisfação pessoal. Não importa o que os homens digam; a verdade é que a maneira como utilizamos o dia de descanso é a mais segura confirmação do estado de nossa vida espiritual. Por meio desse dia, podemos descobrir se amamos a comunhão com Deus e estamos em harmonia com os céus. Em resumo, por meio do dia de descanso os segredos de muitos corações são revelados. Há muitos a respeito dos quais podemos dizer: estes não pertencem a Deus, pois não observam o dia do Senhor. 

Comentário sobre João 9.13

September 13, 2019

Sola Scriptura na Igreja Primitiva


Apologistas romanos frequentemente argumentam que o conceito de Sola Scriptura é uma invenção dos reformadores. Para provar que estão errados, segue abaixo uma série de citações de alguns pais da Igreja, a saber, Cirilo de Jerusalém (313-386), Basílio de Cesaréia (330-379), Agostinho (354-430) e Atanásio (296-373). 

"Com referência aos divinos e sagrados mistérios da fé, nem mesmo a mínima parte deles pode ser transmitida sem as Escrituras Sagradas. Não se deixem levar por palavras sedutoras e argumentos engenhosos. Mesmo com respeito a mim, que lhes digo estas coisas, não se apressem em acreditar, a menos que recebam das Escrituras Sagradas a prova das coisas que lhes anuncio. A salvação em que acreditamos não é provada por raciocínio engenhoso, mas das Escrituras Sagradas." (Cirilo de Jerusalém, Catechetical Lectum 4:17)

“Os ouvintes ensinados nas Escrituras devem testar o que é dito pelos mestres e aceitar o que se harmoniza com as Escrituras, porém rejeitar o que é estranho.” “E obviamente uma apostasia da fé e uma ofensa atribuída ao orgulho, quer rejeitar qualquer das coisas que estão escritas como introduzir coisas que não estão escritas.” (Basílio de Cesaréia, citado em: William Jurgens, The Faith of the Early Fathers (Collegeville, MN: Liturgical Press, 1979), 11:24.

"Que mais eu vos ensino além do que leio no apóstolo? Pois a Escritura Sagrada fixa a regra para a nossa doutrina, a menos que ousemos ser mais sábios do que devemos. ... Portanto, não devo ensinar-vos qualquer outra coisa, a não ser expor-vos as palavras do Mestre." (Agostinho, De bono viduitatis, 2)

"Não devo forçar a autoridade de Nicéia contra vós, nem vós a do Arianismo contra mim; não reconheço um, assim como vós não reconheceis o outro; cheguemos, pois, a um consenso que é comum a nós ambos — o testemunho das Sagradas Escrituras." (Agostinho, “To Maximin the Arian”)

"Não ouçamos: Isto eu digo, isto vós dizeis; mas, assim diz o Senhor. Certamente são os livros do Senhor, em cuja autoridade ambos concordamos e nos quais ambos cremos. Busquemos a igreja, lá discutiremos o nosso caso. (Agostinho, De unitate ecclesiae, 3)

"Deixemos que sejam removidas de nosso meio as coisas que citamos uns contra os outros, não com apoio nos livros canônicos divinos, mas de outras fontes quaisquer. Talvez alguém possa perguntar: Por que desejais remover essas coisas do vosso meio? Porque não queremos a santa igreja aprovada por documentos humanos, mas sim pelos oráculos divinos." (Agostinho, De unitate ecclesiae, 3)

"Seja o que for que possam apresentar, e de qualquer [fonte] que possam citar, procuremos, se somos suas ovelhas, ouvir a voz do nosso Pastor. Portanto, busquemos para a igreja as sagradas Escrituras canônicas." (Agostinho, De unitate ecclesiae, 3)

"Nem ouse alguém concordar com bispos católicos, se por acaso eles errarem em alguma coisa, resultando que sua opinião seja contra as Escrituras canônicas (Agostinho, De unitate ecclesiae, 3)

"Se alguém pregar, seja com referência a Cristo ou à sua igreja, ou a qualquer outro assunto que se refira à nossa fé e vida, não direi se nós, mas sim o que Paulo acrescenta: se um anjo vindo do céu pregar qualquer coisa além do que recebestes pela Escritura sobre a Lei e os Evangelhos, que seja anátema." (Agostinho, Contra Litteras Petiliani, Livro 3, cap. 6.)

"Deveis notar e reter particularmente em vossa memória que Deus quis lançar um firme fundamento nas Escrituras contra erros traiçoeiros, um fundamento contra o qual ninguém, que de algum modo fosse considerado cristão, ousasse falar. Porquanto, quando ele se ofereceu ao povo para que o tocasse, isso não o satisfez, exceto se ele também confirmasse o coração dos crentes com base
nas Escrituras, pois ele anteviu que o tempo chegaria em que não haveria coisa alguma a tocar, porém teria alguma coisa a ler." (Agostinho, In Epistolam Johannis tractus, 2.)

"Porém, uma vez que a Escritura Sagrada é, sobre todas as coisas, a mais suficiente para nós, e por isso recomendando-a àqueles que desejam conhecer mais dessas questões, para lerem a palavra divina, apresso-me agora a expor diante de vós aquilo que mais exige atenção, e por causa da qual principalmente escrevi essas coisas." (Atanásio, Ad Episcopos AEgyptia)

"Amado em Cristo, permite que esta seja nossa contribuição a ti, ainda que valendo-nos de um resumo rudimentar de pouca extensão, sobre a fé em Cristo e em seu divino aparecimento. Servindo-te de tal oportunidade, se compreenderes o texto das Escrituras, aplicando-lhes com eficácia sua mente, aprenderás por meio delas, mais completa e claramente, os exatos pormenores do que temos dito. Pois eles foram escritos por Deus, por meio de homens que falaram por ele." (Atanásio, De Incarnatione Verbi Dei, 56)

"Inutilmente então eles correram de um lado para outro com o pretexto de que requereram aos concílios com relação à fé; pois a Escritura divina é suficiente acima de todas as coisas; porém, se um concilio é insuficiente nesse ponto, há as posições dos pais, pois os bispos nicenos não negligenciaram essa questão, mas afirmaram as doutrinas tão exatamente que as pessoas, lendo suas palavras honestamente, não podem deixar de ser lembradas por eles da religião relacionada a Cristo e anunciada na Escritura divina." (Atanásio, De Synodis, 6)


September 4, 2019

Vamos Falar sobre o Dízimo? - Gary North



Estudo baseado em “Tithing and the church” / Gary North, 1994. Traduzido por Raniere Menezes/Frases Protestantes



O temor do Senhor é o princípio do conhecimento; os loucos desprezam a sabedoria e a instrução. Provérbios 1:7.

Um assunto por vezes muito debatido, grandemente discutido, ora combatido, ora silenciado, e outras vezes transformado em tabu. Certamente bibliotecas de textos foram produzidas sobre o tema. E o que há de novo para que eu escreva este artigo? Nada! Assim como, guardando as devidas proporções, não há nada de novo em Deuteronômio. Este livro do Pentateuco foi dado para lembrar o povo de Israel da Lei de Deus; para RELEMBRAR.

Desde já, precisamos ter o seguinte discernimento: Não devemos deixar de buscar o que é certo por causa do mau uso do dinheiro e das atitudes dos maus obreiros. A Bíblia alerta contra os mercenários, diz: “Em sua cobiça, tais mestres os explorarão com histórias que inventaram. Há muito tempo a sua condenação paira sobre eles, e a sua destruição não tarda”. 2 Pedro 2:3. A destruição não tardará para os falsos mestres. O mau uso é um caso a parte, que deve ser combatido com energia pelos cristãos.

Infelizmente, o dízimo é um assunto que tem dividido os cristãos por todos os lugares em muitas épocas. Não é um assunto fácil, pois envolve dinheiro. Mas precisamos falar.

Há quem defenda e quem seja contra. Há vários pontos de vista, se o percentual de 10% é fixo, se pode ser livre, se pode ser menos, se é somente válido para o Antigo Testamento e por aí vai. Uma das perguntas mais importantes que temos que fazer ao tratarmos este assunto é se há CONTINUIDADE do Antigo Testamento, o A.T. que se relacione com algum tipo de obediência e dever no Novo Testamento, N.T. Devemos fazer uma busca sincera como cristãos que professam que:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça 2 Timóteo 3:16.

Pois tudo o que foi escrito no passado, foi escrito para nos ensinar, de forma que, por meio da perseverança e do bom ânimo procedentes das Escrituras, mantenhamos a nossa esperança. Romanos 15:4.

Não precisamos nos ater muito tempo no sistema doutrinário do dízimo, o qual muitos já conhecem, mas vejamos os fundamentos.

ORIGEM – ESCRITURAS SAGRADAS, ANTIGO TESTAMENTO

Abraão e Jacó praticaram o dízimo. Gn 14.20, 28.22:

E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo.
E abençoou-o, e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra;
E bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo.
Gênesis 14.18-20

E esta pedra que tenho posto por coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo.
Gênesis 28.22

Dízimo refere-se a dar 10% das posses ou renda a Deus. Entenda-se dar a Deus, dar aos representantes de Deus (escolhido por Deus e aceito pelo povo de Deus). Exemplo de Abraão e Jacó e seus descendentes.

Após o exílio de Jacó em Padã-Arã, ele construiu um altar em Betel, e ele ofereceu o dízimo ao Senhor segundo seu voto em Gn 28. 20-22:

E chamou o nome daquele lugar Betel; o nome, porém daquela cidade antes era Luz.
E Jacó fez um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer, e vestes para vestir;
E eu em paz tornar à casa de meu pai, o Senhor me será por Deus;
E esta pedra que tenho posto por coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo.

Gênesis 28.19-22. (Cf. também Gn 35. 1-7). Quando os descendentes de Jacó semelhantemente retornaram de seu exílio, eles reconstruíram o altar em Jerusalém, mas eles foram grosseiramente negligentes em oferecer seus dízimos. Ver Neemias 13. 10-13:

Também entendi que os quinhões dos levitas não se lhes davam, de maneira que os levitas e os cantores, que faziam a obra, tinham fugido cada um para a sua terra.
Então contendi com os magistrados, e disse: Por que se desamparou a casa de Deus? Porém eu os ajuntei, e os restaurei no seu posto.
Então todo o Judá trouxe os dízimos do grão, do mosto e do azeite aos celeiros.
E por tesoureiros pus sobre os celeiros a Selemias, o sacerdote, e a Zadoque, o escrivão e a Pedaías, dentre os levitas; e com eles Hanã, filho de Zacur, o filho de Matanias; porque foram achados fiéis; e se lhes encarregou a eles a distribuição para seus irmãos.
Neemias 13:10-13

LIVRO DE MALAQUIAS

No profeta Malaquias capítulo 3.8, está escrito uma acusação do profeta contra seu povo. Malaquias acusa o povo de roubo por não dar o dízimo:

Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. 

A maior parte dos falsos mestres usa esta passagem para saquear o povo sem instrução ou que cobiçam lucros. E esses mestres são peritos em atingir o ponto fraco da ambição de muitos. Mas não vamos tratar sobre eles, vamos examinar o texto de Malaquias. E o contexto de Malaquias informa que o povo roubou também nas ofertas. Portanto, há em Malaquias uma diferença entre “contribuição voluntária” e “contribuição obrigatória”.

Continuemos em Malaquias, os dízimos eram trazidos à casa do tesouro, que era um tipo de setor administrativo-financeiro ligado ao templo e administrado pelos levitas. 1 Cr 9.26:

Porque havia naquele ofício quatro porteiros principais que eram levitas, e tinham o encargo das câmaras e dos tesouros da casa de Deus.

Havia dízimos e ofertas, basicamente estas coisas foram constituídas para a manutenção do templo, dos sacerdotes e levitas. Ao negligenciar seus dízimos e ofertas as pessoas no contexto de Malaquias geravam dificuldades financeiras para aqueles que se dedicavam ao trabalho espiritual. Este ponto é importante para a práxis econômico-financeira do ministério dos sacerdotes e levitas.

No verso 9, por causa do roubo da nação, o Malaquias profetizou uma maldição: Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, sim, toda esta nação. – Destaque para “toda” nação. A nação foi culpada por causa de alguns e dos maus sacerdotes: Se não ouvirdes e se não propuserdes, no vosso coração, dar honra ao meu nome, diz o Senhor dos Exércitos, enviarei a maldição contra vós, e amaldiçoarei as vossas bênçãos; e também já as tenho amaldiçoado, porque não aplicais a isso o coração. (Ml 2.2).

Malaquias 3:10,11 – Falta de chuvas nas lavouras e pragas

Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes.

E por causa de vós repreenderei o devorador, e ele não destruirá os frutos da vossa terra; e a vossa vide no campo não será estéril, diz o Senhor dos Exércitos.

Nos versos 10 e 11 do capítulo 3 há uma descrição das consequências da maldição corporativa, condições climáticas e pragas. As pessoas desse contexto poderiam usar a desculpa e de não dar o dizimo por causa das dificuldades econômicas, mas não dar o dízimo foi a causa e não o efeito. Roubaram o que pertence a Deus, foi exatamente a desobediência que colocou o povo debaixo de maldição. Esta negligência (devocional) não podia ser justificada por causa da safra ruim (seca e pragas). Mas Deus revela que os desastres naturais são resultados da desobediência.

LIVRO DE AGEU

Ageu 1:6-11

Semeais muito, e recolheis pouco; comeis, porém não vos fartais; bebeis, porém não vos saciais; vestis-vos, porém ninguém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o num saco furado.
Assim diz o Senhor dos Exércitos: Considerai os vossos caminhos.
Subi ao monte, e trazei madeira, e edificai a casa; e dela me agradarei, e serei glorificado, diz o Senhor.
Esperastes o muito, mas eis que veio a ser pouco; e esse pouco, quando o trouxestes para casa, eu dissipei com um sopro. Por que causa? disse o Senhor dos Exércitos. Por causa da minha casa, que está deserta, enquanto cada um de vós corre à sua própria casa.
Por isso retém os céus sobre vós o orvalho, e a terra detém os seus frutos.
E mandei vir a seca sobre a terra, e sobre os montes, e sobre o trigo, e sobre o mosto, e sobre o azeite, e sobre o que a terra produz; como também sobre os homens, e sobre o gado, e sobre todo o trabalho das mãos.

Ageu 2:16-19

Antes que sucedessem estas coisas, vinha alguém a um montão de grão, de vinte medidas, e havia somente dez; quando vinha ao lagar para tirar cinquenta, havia somente vinte.
Feri-vos com queimadura, e com ferrugem, e com saraiva, em toda a obra das vossas mãos, e não houve entre vós quem voltasse para mim, diz o Senhor.
Considerai, pois, vos rogo, desde este dia em diante; desde o vigésimo quarto dia do mês nono, desde o dia em que se fundou o templo do Senhor, considerai essas coisas.
Porventura há ainda semente no celeiro? Além disso a videira, a figueira, a romeira, a oliveira, não têm dado os seus frutos; mas desde este dia vos abençoarei.

A nação já havia estado sob maldição durante o ministério de Ageu. Ageu 1:3-6:

A razão porque estavam focados em construir suas próprias casas, enquanto o templo de Deus restava incompleto.
Veio, pois, a palavra do Senhor, por intermédio do profeta Ageu, dizendo:
Porventura é para vós tempo de habitardes nas vossas casas forradas, enquanto esta casa fica deserta?
Ora, pois, assim diz o Senhor dos Exércitos: Considerai os vossos caminhos.
Semeais muito, e recolheis pouco; comeis, porém não vos fartais; bebeis, porém não vos saciais; vestis-vos, porém ninguém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o num saco furado.

DESOBEDIÊNCIA OBSTINADA DOS ANTIGOS -- “desde os dias dos vossos pais”

Em Malaquias 3.7 Deus acusa o povo de não guardar suas ordenanças, “desde os dias dos vossos pais”:

Desde os dias de vossos pais vos desviastes dos meus estatutos, e não os guardastes; tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós, diz o Senhor dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar?

Tanto em Ageu como em Malaquias Deus exige que se coloque a sua honra ante ao conforto pessoal. Cf Ag 1.7-8. Em Malaquias para reparar o dano da relação Deus-Israel o povo devia trazer novamente todos os dízimos a casa do Senhor. Cf. Ml 3.10. Aqui não é algo opcional ou voluntário, seu comando não deve ser desobedecido ou ignorado com base na preferência ou qualquer justificativa. Todos os dízimos, toda nação. (v.9). Toda nação foi acusada de roubo. E o dever teria de ser restaurado.

Porque os dízimos dos filhos de Israel, que oferecerem ao Senhor em oferta alçada, tenho dado por herança aos levitas. -- Números 18:24ª

Nos versos 10 e 11 de Malaquias 3 há uma promessa condicional, o povo obedece e Deus abençoa a terra dando chuva e controlando as pragas das safras. E no mesmo contexto há a exigência da santidade, a necessidade da santidade é exigida no Antigo Testamento. Neste contexto de Malaquias 2.13; 3.3-4, o povo de Israel foi favorecido como sempre fora ao longo do Antigo Testamento:

E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. - Gênesis 12:3

E a sua posteridade será conhecida entre os gentios, e os seus descendentes no meio dos povos; todos quantos os virem os conhecerão, como descendência bendita do Senhor. -- Isaías 61:9

E há de suceder, ó casa de Judá, e casa de Israel, que, assim como fostes uma maldição entre os gentios, assim vos salvarei, e sereis uma bênção; não temais, esforcem-se as vossas mãos. -- Zacarias 8:13

Baseado em Malaquias, Deus exigiu uma restauração do culto e da piedade, uma reforma do ministério, uma reforma de devoção (que envolvia o dízimo). O compromisso devia ser renovado e significava retornar as ordenanças de Deus.

Desde os dias de vossos pais vos desviastes dos meus estatutos, e não os guardastes; tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós, diz o Senhor dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar? -- Malaquias 3:7.

O contexto de Malaquias era apoiar o ministério sacerdotal e levítico com dízimos. Se há uma relação do A.T. com o N.T. esse apoio ministerial é continuado. Não pode ser negado que há uma relação de CONTINUIDADE em relação às promessas e bênçãos do A.T. com o N.T., mas com relação ao dízimo, será que era exclusivo a uma época e um sistema ministerial? Houve descontinuidade total do dízimo? Sem dúvida há CONTINUIDADE em muitos aspectos do A.T. no N.T.

LEIS DO A.T. NO N.T.

Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem, pois está escrito: "Sejam santos, porque eu sou santo".
1 Pedro 1:15,16.

O apóstolo Pedro está citando uma lei do A.T.:

Diga o seguinte a toda comunidade de Israel: Sejam santos porque eu, o Senhor, o Deus de vocês, sou santo. Levítico 19:2.

Pedro usa outra lei do A.T. para tratar sobre o sacerdócio:
Vocês, porém, são geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. 1 Pedro 2.9.

Agora, se me obedecerem fielmente e guardarem a minha aliança, vocês serão o meu tesouro pessoal dentre todas as nações. Embora toda a terra seja minha, vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa’. Essas são as palavras que você dirá aos israelitas". Êxodo 19:5,6.

Pois vocês são povo consagrado ao Senhor, ao seu Deus. Dentre todos os povos da face da terra, o Senhor os escolheu para serem o seu tesouro pessoal. Deuteronômio 14:2.

E hoje o Senhor declarou que vocês são o seu povo, o seu tesouro pessoal, conforme ele prometeu, e que vocês terão que guardar todos os seus mandamentos. Ele declarou que lhes dará uma posição de glória, fama e honra muito acima de todas as nações que ele fez, e que vocês serão um povo santo para o Senhor, para o seu Deus, conforme ele prometeu. Deuteronômio 26:18,19.

Pactualmente o que é aplicado a Israel é aplicado a Igreja. Fato indiscutível é que Pedro cita a Lei. A questão é se a Igreja é o novo Israel de Deus ou não. Se há CONTINUIDADE e como ela se aplica. Uma objeção comum é que a prática do dízimo era algo ligado exclusivamente a Israel que no N.T., por termos uma revelação maior daquilo que era apenas “sombra”, tem-se a orientação do Espírito Santo para “dar tudo que possuímos” e não apenas uma décima parte das posses, pois tudo pertence a Deus. – A partir dessa objeção se tem duas opções a seguir: Negar a TRANSIÇÃO da Revelação Progressiva do A.T. para o N.T. ou submeter a aceitação de uma CONTINUIDADE do A.T. com o N.T. (tendo como parâmetro o dízimo ou oferta livre).

O problema é que esta “oferta livre”, que tem como base a “totalidade das posses” (pois tudo pertence a Deus), na PRÁTICA torna-se um conflito para o ofertante e entra em contradição com o A.T. Quer dizer que no A.T. 90% das posses do povo não era de Deus? 90% pertencia ao povo e 10% a Deus? Evidente que o entendimento do dízimo no A.T. era amplo e bem aplicado. Com base nisto, é apropriado perguntar, por que os crentes do N.T. estão isentos dos 10% mas não dão 100%? Quem afirma que é 100% aumentou com que base? Uma resposta retórica, “porque tudo é de Deus”, esta é a base. Porém não dá tudo, e muitas vezes abaixo de 10%. Uma parte dizimal poderia ser pelo menos o parâmetro mínimo.

Certa vez, concordei com um pastor que ensinava desse modo, pelo “parâmetro mínimo”, mas na prática a doação não aumentou. E o ministério torna-se insuportavelmente desgastante pela falta constante de captação de recurso para manutenção do ministério.

Por outro lado, no N.T., não há revogação do dízimo estabelecido por Deus no A.T. – Uma objeção contemporânea comum é que não há afirmação explícita do dízimo no N.T., mas também não há revogação. É fato, Deus estabeleceu o dizimo e não ha revogação. Será que deixou de ser um princípio divino? Exemplo de princípio, a Igreja como herança e propriedade de Deus é semelhante a Israel do A.T.

A vocês, o Senhor tomou e os tirou da fornalha de fundir ferro, do Egito, para serem o povo de sua herança, como hoje se pode ver. Deuteronômio 4:20.

Vocês são povo consagrado ao Senhor, ao seu Deus. Dentre todos os povos da face da terra, o Senhor os escolheu para serem o seu tesouro pessoal. Deuteronômio 14:2.

E este povo eleito dedicava a Deus os primeiros frutos e o dízimo, como uma devoção pactual, uma dedicação a Deus por toda colheita, renda e até a vida. As primícias, os primogênitos do rebanho, e não o resto. Não o que sobra, mas a primeira parte ao Senhor. Este é o princípio. E em todas as épocas os eleitos são sua possessão. É importante que o cristão reconheça que não se deve recusar a dar o dízimo com a justificativa que reter o dízimo é dar tudo ao Senhor. Reter o dízimo não é dar tudo ao Senhor.

Quem defende o dízimo, por princípio defende também a mordomia cristã, a qual ensina que devemos dar tudo a Deus. Devemos dar nossa vida, família, tempo, trabalho e renda. Como dizer que dá tudo e nega o dízimo? O dízimo é como uma oferta dos primeiros frutos de todas as coisas. Este é o princípio, estabelecido e não revogado.

JESUS, não aboliu, suprimiu ou menosprezou o dízimo.
Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vocês devem praticar estas coisas, sem omitir aquelas.

Mateus 23.23.

Paulo disse que abriu mão do "DIREITO" de receber o apoio financeiro ministerial, observe que falou em “DIREITO”. Apesar de que em outro momento aceitou um apoio financeiro. -- Como vocês sabem, filipenses, nos seus primeiros dias no evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja partilhou comigo no que se refere a dar e receber, exceto vocês; pois, estando eu em Tessalônica, vocês me mandaram ajuda, não apenas uma vez, mas duas, quando tive necessidade. Filipenses 4:15,16.

Paulo não diz aos cristãos para reterem o apoio financeiro dos ministros, pelo contrário ensina que o trabalho ministerial é digno de salário integral. Quem serve como soldado a sua própria custa? Como era o sustento ministerial no A.T.? Como é no N.T.? Uma coisa é certa, não se pode negar apoio financeiro aos ministros legítimos do Evangelho, negar este apoio é reter seu salário, legítimo. Enganar neste apoio é como roubar a Deus. É um direito. Leia atentamente:

... Mas nós não usamos deste direito; antes suportamos tudo, para não pormos impedimento algum ao evangelho de Cristo.
Não sabeis vós que os que administram o que é sagrado comem do que é do templo? E que os que de contínuo estão junto ao altar, participam do altar?
Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho.
1 Coríntios 9:12-14.

Para quem ainda pensa que o dízimo do A.T. é somente uma lei obsoleta da Antiga Aliança e que foi abolida pela Nova Aliança, observe que Paulo afirma o DIREITO do ministro legítimo em receber apoio financeiro. Que vivam do Evangelho. Como os antigos sacerdotes eram sustentados?

Em 1Timoteo 5.17,18, Paulo escreve: Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino, pois a Escritura diz: "Não amordace o boi enquanto está debulhando o cereal", e "o trabalhador merece o seu salário". A “dupla honra” está contexto direto com “o trabalhador merece seu salário”. Ou seja, dupla honra pode significar “receber em dobro”. O contexto é sobre dinheiro, não honra. Vimos antes que é um DIREITO. Cabe uma pergunta neste ponto, é um dinheiro devido ou uma oferta voluntária? Pagar um ministro digno não é um ato de generosidade ou nobreza por parte dos cristãos, é uma obrigação. Para os dias de hoje parece uma palavra politicamente incorreta, mas é o que ensina as Escrituras. Não tenha receio da palavra “obrigação”, temos muitas exigidas por Deus em sua Palavra.

Há um mito que no N.T. há um silêncio total e absoluto sobre o dízimo. Primeiro, se levarmos em consideração a TRANSIÇÃO do A.T. para o N.T., não encontramos no N.T. uma abolição, mas pelo contrário encontramos indícios para reafirmar o dízimo.

Ser contra o dízimo por causa dos falsos mestres e mercenários é um erro. Por algo ser falso não justifica eliminar o verdadeiro. O discurso do dinheiro virou tabu para os verdadeiros mestres, por causa dos maus obreiros? E muitos bons ministros sentem medo ou vergonha de falar em dízimo.

Não devemos brigar ou causar divisão porque os cristãos estão divididos em relação ao tema, mas numa coisa todos devemos concordar: DAR. E todos devemos tomar cuidado contra os perigos da cobiça, avareza e ganância. O dever de sustentar financeiramente um ministério genuinamente cristão faz parte, importante, do Reino de Deus.

John Piper vai além e diz que uma porcentagem fixa (como 10%) está fora de questão para muitos, ele cita as classes médias e altas americanas como injustas quando estipulam apenas 10%, num mundo onde 10 mil pessoas morrem de fome por dia e muito mais que morrem na incredulidade. A questão não é o percentual, mas quanto se pode gastar individualmente e de modo compromissado. Que isto fique bem claro, a questão não é o percentual mas o comprometimento baseado no princípio. Se alguém é contra o ensino do dízimo mas tem comprometimento em DAR, na prática é um dizimista inconsciente.

James M. Boice diz que no N.T. as obrigações são maiores, as obrigações das leis são intensificadas em vez de diminuídas. Em circunstâncias razoáveis qualquer cristão deve dar mais que 10%. Para surpresa de muitos, no A.T. se exigia vários dízimos e somando dava uns 23%. Dar 10% é bastante leve em comparação ao A.T., por isso para muitos teólogos deve ser considerado apenas um ponto de partida.

Ele ordenou ao povo de Jerusalém que desse aos sacerdotes e aos levitas a porção que lhes era devida a fim de que pudessem dedicar-se à Lei do Senhor. 2 Crônicas 31:4.
Atenção à prudência cristã, não temos nenhuma de apoiar um herege, pelo contrário devemos fazer oposição ao seu ensino. -- Se alguém chega a vocês e não trouxer esse ensino, não o recebam em casa nem o saúdem. Pois quem o saúda torna-se participante das suas obras malignas. 2 João 1:10,11. – Não devemos sustentar ministérios heréticos.

Infelizmente muitos pastores não acreditam no aviso de Malaquias. Poucos tentam pregar corretamente, e muitos pregam para tirar proveito mercenário. São os dias de hoje. Mesmo as igrejas que pregam o dízimo não tem coragem de disciplinar um membro que se recusa a entregar o dízimo. Esta é uma cultura aceita e concretizada, hoje. Parece haver dois tipos de igrejas, as que não aplicam a lei de Deus, e as que pregam sobre a lei mas não a aplicam eclesiasticamente, pois parece inútil, uma luta inglória. É algo impopular e espanta membros. E o ministro está arriscado a ser dispensado. Portanto, um assunto perigoso e delicado.

Há muitas distorções sobre o dizimo, parece um assunto maldito. Se tem quem defenda o ensino, vai parecer mercenário ou ignorante. Há quem pague com uma mão aberta e a outra no bolso, e ainda pensa, “se todo mundo da igreja der o dízimo, a arrecadação vai subir, e o pastor vai ter aumento” ou algo do tipo, o interesse sobre o assunto é sempre econômico, cruelmente econômico. Quando o interesse deveria ser devocional, missional ou ministerial. A verdade é que muitos pastores têm medo de pregar a advertência em Malaquias. Este livro está ou não em vigor? Se não está qual o motivo? Os pastores devem voltar a pregar sobre o dízimo, pois têm responsabilidades diante de Deus e dos homens. Este é o alerta derivado de Malaquias. E certamente há muitas igrejas que praticam corretamente o dízimo.

Onde Jesus, que nos precedeu, entrou em nosso lugar, tornando-se sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque. Hebreus 6.20

Pode-se até dizer que Levi, que recebe os dízimos, entregou-os por meio de Abraão. Hebreus 7:9.

Quero dizer isto: A lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não anula a aliança previamente estabelecida por Deus, de modo que venha a invalidar a promessa. Pois, se a herança depende da lei, já não depende de promessa. Deus, porém, concedeu-a gratuitamente a Abraão mediante promessa. Gálatas 3:17,18.

Paulo deixa claro que a aliança de Deus com Abraão foi cumprida e culminada em Cristo.
Assim também as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. A Escritura não diz: "E aos seus descendentes", como se falando de muitos, mas: "Ao seu descendente", dando a entender que se trata de um só, isto é, Cristo. Gálatas 3:16.

A Nova Aliança tem origem nesta promessa da Antiga Aliança. A herança abraâmica é a base da lei mosaica. O que Deus prometeu a Abraão é crucial para estabelecer a autoridade da igreja. Esta é uma doutrina familiar aos comentadores protestantes, desde Lutero até o presente, mas as suas implicações para a eclesiologia nem sempre foram claramente reconhecidas. É importante resgatar a importância do dízimo em suas implicações eclesiológicas e de modo equilibrado.

Qual a ligação do ministério de Abraão com Melquisedeque? Ele estava sob autoridade eclesiástica? Se sim, qual a marca de subordinação? O DÍZIMO. Abraão deu o dízimo a Melquisedeque, rei-sacerdote de Salém, um homem sem genealogia.

Sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre. Hebreus 7:3

E Jesus Cristo, filho de Judá, em vez de Levi, traçou sua função sacerdotal em Melquisedeque, não em Levi nem em Arão. Seu sacerdócio é mais elevado do que o deles. Hebreus iguala o sacerdócio de Jesus com o sacerdócio de Melquisedeque. Isto é importante? Em que sentido é importante? O sacerdócio de Melquisedeque é superior ao levítico?

As relações entre A.T. e N.T. são muitas, senão vejamos. A refeição da comunhão da Nova Aliança esta relacionada a Antiga Aliança.

E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. Gênesis 14:18.

A Ceia do Senhor está ligada a páscoa, obviamente, porém os elementos, o pão e o vinho de Melquisedeque são anteriores a páscoa. Em nossos dias, é comum ouvir de antidizimistas que não estão mais debaixo da lei mosaica, então não tem obrigação de dar o dízimo (e ponto final?). Mas o N.T. não baseia o dízimo na lei mosaica, mas em Hebreus 7 é estabelecida sua autoridade. O antinomianismo não deve ser prevalecente na igreja hoje. 

Hebreus 7 estabelece a autoridade do Sumo Sacerdote Jesus Cristo, que está relacionada ao sacerdócio de Melquisedeque. Abraão deu o dízimo a Melquisedeque, um representante judicial ou ministerial, de certo fora um ato de submissão e devoção a Deus.

A igreja perdeu sua ligação com Abraão? A igreja é herdeira das promessas abraâmicas?

Tanto quanto a Bíblia revela, o dízimo começou com Abraão entregando a Melquisedeque. O dízimo está relacionado nas duas alianças ou apena uma? O dízimo é para Deus, representado por sua Igreja, uma agência legítima. Quem aplica os sacramentos de Deus? A igreja. A família não é a instituição central da sociedade cristã; a Igreja é. A família não vai se estender para eternidade (Mt 22:30.); A igreja, sim (Ap 21: 1-2). Teologicamente, havia igreja no A.T.? Sim. O entendimento da revelação progressiva e da doutrina pactual faz com que enxerguemos a graça, a salvação, a igreja, no A.T.

A igreja hoje em sua maioria parece caminhar para uma instituição estritamente voluntária, contratual e não instituição da aliança. Apenas mais uma instituição voluntária entre muitas. Isso também é refletido na mesa da comunhão, que está se transformando em um ritual ocasional que se apega apenas a uma recordação. Na prática a igreja é hoje mais um clube social sem fins lucrativos, ela não é reconhecida como uma autoridade representativa. Elas agem como não históricas, como liberais.

A igreja moderna não acredita que a igreja manifesta um padrão moral e judicial para o mundo, assim como Israel manifestou seu padrão sob a Aliança mosaica. Na prática hoje achamos que não há nenhuma relação judicial divina no tribunal civil, nas urnas de eleições politicas. As frases transformaram-se em meras formalidades, a exemplo dos juramentos judiciais e políticos. Ou como nas frases devocionais nas cédulas de dinheiro, como, “Deus seja louvado”. Invocar o nome de Deus tornou-se uma mera convenção.

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