Rubem Alves foi pastor presbiteriano, mas saiu do ministério e se afastou do Evangelho. O texto abaixo revela um pouco de suas crenças atuais. Trata-se da transcrição da gravação de um sermão pregado no dia 31 de Outubro de 2003, no Culto da Reforma, na Igreja Presbiteriana de Copacabana, no Rio de Janeiro.
Símbolos usados na transcrição:
[...] = gravação truncada ou incompreensível
[R.A.] = risos do auditório
[...] [R.A.] para se falar alguma coisa sobre a Reforma, mas eu fico perguntando: “depois de ouvir Bach o que é que há pra ser dito sobre a Reforma? Eu sou um jardineiro, não acho que Deus é jardineiro ...
Há muitos anos, muitos anos mesmo que eu preguei nessa igreja. A igreja era diferente – era menor. E eu me lembro perfeitamente que [...], quando eu era estudante no seminário e eu preguei, me lembro, sobre o texto: Coríntios, [...] a língua dos homens e dos anjos, se não tiver amor, [...] e quando eu entrei nesse lugar eu me lembrei de um poema de Mário (sic) Antônio Gonzaga que é um dos poetas da Inconfidência. E nesse poema ele descreve uma visível visita que ele fez a lugares amados, cachoeiras, riachos, campos, montanhas. E ele visitava aqueles lugares e ele tinha a sensação que os lugares haviam se transformado, eram diferentes. Aí, a cada lugar que visita, ele acrescenta um refrão: “são este os sítios, são estes, mas eu mesmo não sou/ Marília me chamas, espera que eu vou.” E aí ele vai de lugar a lugar. Até que no final ele diz: “Mas como [...], as coisas são as mesmas, estão no mesmo lugar, como é que eu olho todas as coisas diferentes.” Aí ele diz: “mudaram-se os olhos e triste sou”. Ele estava indo para o degredo. Eu não estou indo para o degredo, mas os meus olhos de hoje são muito diferentes dos olhos de há 50 anos atrás que, eu imagino, foi quando eu preguei aqui nessa igreja. Os olhos, os olhos...
Ahn... os olhos são o início da experiência religiosa. Todos os poetas e todos os místicos sabem que a coisa começa é com uma modificação do olhar. E os orientais, os zen-budistas eles falam da experiência de “sacolho”. Que que é “sacolho”? Eles dizem que é repentinamente abrir seu terceiro olho e a gente vê coisas que a gente não via antes. Foi assim que aconteceu com os discípulos de Emaús. Eles estavam andando com Jesus e Jesus falava e eles não viam nada, mas foi no momento quando Jesus partiu o pão que os seus olhos se abriram e eles perceberam. Foi isso provavelmente que aconteceu também com Sidarta [Buda]. Ele repentinamente ele teve a visão de que a vida é como um rio. Todas as coisas são passageiras, e ele se assentava na beirada do rio para conversar com o rio e o seu melhor companheiro de conversa era o barqueiro que sabia todas as coisas acerca do rio.
[...] que repentinamente no meio do mocho da igreja medieval descobriu a beleza das campinas, das flores, do Sol, da Lua, dos regatos, e percebeu que todas as coisas eram vãs. Ou então de Albert Schweitzer que no meio da selva da Africa, uma vez, andando de canoa de noite, ouvindo o pulsar da floresta, os animais da floresta, ele percebeu então que o grande princípio da sua filosofia era a reverência pela vida. Um poema tão conhecido – não vou ler o poema inteiro que ele é muito grande –, mas vocês compreenderão. Não é um poema religioso, não é religioso, eh...o poema diz: “(..) ele erguia casas/Onde antes só havia chão/Como um pássaro sem asas/Ele subia com as casas/Que lhe brotavam da mão/Mas tudo desconhecia/Da sua grande missão/Não sabia por exemplo/Que a casa de um homem é um templo/Um templo sem religião/Como tampouco sabia/Que a casa que ele fazia/Sendo a sua liberdade/Era a sua escravidão./De fato, como podia/Um operário em construção/Compreender que um tijolo/Valia mais do que um pão?/Tijolos ele empilhava/Com pá, cimento e esquadria/Quanto ao pão, ele o comia/Mas fosse comer tijolo!/E assim o operário ia/Com suor e com cimento/Erguendo uma casa aqui/Adiante um apartamento/Além uma igreja, à frente/Um quartel e uma prisão:/Prisão de que sofreria/Não fosse eventualmente/Um operário em construção./Mas ele desconhecia/Esse fato extraordinário:/Que o operário faz a coisa/E a coisa faz o operário./De forma que, certo dia/À mesa, ao cortar o pão/O operário foi tomado/De uma súbita emoção/Ao constatar assombrado/Que tudo naquela casa/Garrafa, prato, facão/Era ele quem fazia/Ele, um humilde operário/Um operário em construção./Olhou em torno: gamela/Banco, tigela, caldeirão/Vidro, parede, janela/Casa, cidade, nação!/Tudo, tudo o que existia/Era ele quem fazia/Ele, um humilde operário/que exercia sua profissão./Ah, homens de pensamento/Não sabereis nunca o quanto/Aquele humilde operário/Soube naquele momento/Naquela casa vazia/Que ele mesmo construíra/Um mundo novo nascia/De que nem sequer suspeitava./O operário emocionado/Olhou sua própria mão/Sua rude mão de operário/De operário em construção/E olhando bem para ela/Teve um segundo a impressão/De que não havia no mundo/Coisa que fosse mais bela” [...] desse poema do Vinícius. Vocês devem ter se [...] nos discípulos de Emaus. Foi ao partir do pão, ao partir do pão, que os olhos se abriram aos discípulos de Emaús. Ao partir do pão, o operário percebeu assombrado e repentinamente aquelas coisas comuns: gamela, garrafa, faca, ahn... tigela... ele percebe que um novo mundo nascia, naquela casa que ele mesmo construíra.
Então é isso o que é a experiência religiosa, a experiência de repentinamente a gente ver coisas que a gente nunca viu. Aliás, Jesus já tinha falado sobre isso. Ele disse: “os olhos são a lâmpada do corpo; se os seus olhos forem bons, o teu corpo será luminoso, se os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso.”
[...] coisas, eu vim aqui pra falar sobre a Reforma, Lutero [...] repentinamente ele olhou para o pesadelo medieval, porque o Mundo Medieval era um grande pesadelo. Lutero olhou para aquele pesadelo, produzido por olhos teneborosos e ele viu uma coisa que ninguém jamais havia visto: o mundo repentinamente se transformou num jardim. Lutero... e nessa Igreja Presbiteriana eu quero confessar [...] [R.A.] [...], porque Lutero era mais [...] gostava mais da vida. Calvino era muito ascético, ele era muito sério, então, para mim, o grande herói da Reforma, que teve a visão, o que teve a visão, foi Lutero.
Quero dizer que eu nasci numa igreja protestante. Meus pais não eram protestantes, nem eu freqüentei igreja protestante. Eu era protestante sem saber. O Guimarães Rosa tem uma [...] que diz assim: “o que eu vou saber, sem saber eu já sabia.” Sem saber, eu já sabia que eu era protestante, sem saber. Eu vou explicar isso pra vocês. [...] apaixonado por música e eu devo dizer a vocês que há apenas uma criatura no mundo que eu invejo: são os pianistas e os organistas [R.A.], porque eu tentei, mas não consegui.
Ahn... os olhos são o início da experiência religiosa. Todos os poetas e todos os místicos sabem que a coisa começa é com uma modificação do olhar. E os orientais, os zen-budistas eles falam da experiência de “sacolho”. Que que é “sacolho”? Eles dizem que é repentinamente abrir seu terceiro olho e a gente vê coisas que a gente não via antes. Foi assim que aconteceu com os discípulos de Emaús. Eles estavam andando com Jesus e Jesus falava e eles não viam nada, mas foi no momento quando Jesus partiu o pão que os seus olhos se abriram e eles perceberam. Foi isso provavelmente que aconteceu também com Sidarta [Buda]. Ele repentinamente ele teve a visão de que a vida é como um rio. Todas as coisas são passageiras, e ele se assentava na beirada do rio para conversar com o rio e o seu melhor companheiro de conversa era o barqueiro que sabia todas as coisas acerca do rio.
[...] que repentinamente no meio do mocho da igreja medieval descobriu a beleza das campinas, das flores, do Sol, da Lua, dos regatos, e percebeu que todas as coisas eram vãs. Ou então de Albert Schweitzer que no meio da selva da Africa, uma vez, andando de canoa de noite, ouvindo o pulsar da floresta, os animais da floresta, ele percebeu então que o grande princípio da sua filosofia era a reverência pela vida. Um poema tão conhecido – não vou ler o poema inteiro que ele é muito grande –, mas vocês compreenderão. Não é um poema religioso, não é religioso, eh...o poema diz: “(..) ele erguia casas/Onde antes só havia chão/Como um pássaro sem asas/Ele subia com as casas/Que lhe brotavam da mão/Mas tudo desconhecia/Da sua grande missão/Não sabia por exemplo/Que a casa de um homem é um templo/Um templo sem religião/Como tampouco sabia/Que a casa que ele fazia/Sendo a sua liberdade/Era a sua escravidão./De fato, como podia/Um operário em construção/Compreender que um tijolo/Valia mais do que um pão?/Tijolos ele empilhava/Com pá, cimento e esquadria/Quanto ao pão, ele o comia/Mas fosse comer tijolo!/E assim o operário ia/Com suor e com cimento/Erguendo uma casa aqui/Adiante um apartamento/Além uma igreja, à frente/Um quartel e uma prisão:/Prisão de que sofreria/Não fosse eventualmente/Um operário em construção./Mas ele desconhecia/Esse fato extraordinário:/Que o operário faz a coisa/E a coisa faz o operário./De forma que, certo dia/À mesa, ao cortar o pão/O operário foi tomado/De uma súbita emoção/Ao constatar assombrado/Que tudo naquela casa/Garrafa, prato, facão/Era ele quem fazia/Ele, um humilde operário/Um operário em construção./Olhou em torno: gamela/Banco, tigela, caldeirão/Vidro, parede, janela/Casa, cidade, nação!/Tudo, tudo o que existia/Era ele quem fazia/Ele, um humilde operário/que exercia sua profissão./Ah, homens de pensamento/Não sabereis nunca o quanto/Aquele humilde operário/Soube naquele momento/Naquela casa vazia/Que ele mesmo construíra/Um mundo novo nascia/De que nem sequer suspeitava./O operário emocionado/Olhou sua própria mão/Sua rude mão de operário/De operário em construção/E olhando bem para ela/Teve um segundo a impressão/De que não havia no mundo/Coisa que fosse mais bela” [...] desse poema do Vinícius. Vocês devem ter se [...] nos discípulos de Emaus. Foi ao partir do pão, ao partir do pão, que os olhos se abriram aos discípulos de Emaús. Ao partir do pão, o operário percebeu assombrado e repentinamente aquelas coisas comuns: gamela, garrafa, faca, ahn... tigela... ele percebe que um novo mundo nascia, naquela casa que ele mesmo construíra.
Então é isso o que é a experiência religiosa, a experiência de repentinamente a gente ver coisas que a gente nunca viu. Aliás, Jesus já tinha falado sobre isso. Ele disse: “os olhos são a lâmpada do corpo; se os seus olhos forem bons, o teu corpo será luminoso, se os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso.”
[...] coisas, eu vim aqui pra falar sobre a Reforma, Lutero [...] repentinamente ele olhou para o pesadelo medieval, porque o Mundo Medieval era um grande pesadelo. Lutero olhou para aquele pesadelo, produzido por olhos teneborosos e ele viu uma coisa que ninguém jamais havia visto: o mundo repentinamente se transformou num jardim. Lutero... e nessa Igreja Presbiteriana eu quero confessar [...] [R.A.] [...], porque Lutero era mais [...] gostava mais da vida. Calvino era muito ascético, ele era muito sério, então, para mim, o grande herói da Reforma, que teve a visão, o que teve a visão, foi Lutero.
Quero dizer que eu nasci numa igreja protestante. Meus pais não eram protestantes, nem eu freqüentei igreja protestante. Eu era protestante sem saber. O Guimarães Rosa tem uma [...] que diz assim: “o que eu vou saber, sem saber eu já sabia.” Sem saber, eu já sabia que eu era protestante, sem saber. Eu vou explicar isso pra vocês. [...] apaixonado por música e eu devo dizer a vocês que há apenas uma criatura no mundo que eu invejo: são os pianistas e os organistas [R.A.], porque eu tentei, mas não consegui.
Não basta ter vontade, porque Deus é muito cruel. Tem aquele salmo que diz assim: “não adianta levantar cedo e trabalhar o dia inteiro, porque Deus àqueles que ama, ele dá enquanto dormem.” [R.A.]. Acorda! Acorda! Acorda! [R.A.] Porque vocês já ouviram falar que um ponto central na Reforma é a idéia de graça. E hoje a gente vai falar sobre graça. Graça e obra. Obra é a gente varrer [...] e eu estudei muito piano, estudei muito piano, eu estudei mais piano que Nelson Freire [R.A.]. Nelson Freire nasceu na minha cidade. Minha mãe ensinou a mãe dele tocar piano. E eu estudava oito horas por dia e o Nelson Freire não precisava estudar. Uma vez, eu tinha sete anos de idade, tava trabalhando na [...] já havia uns seis meses, tava perto de um piano, aí chegou aquele pirralho mal educado lá em casa com a mãe dele [R.A.] [...], não cumprimentou ninguém. Viu o piano aberto, [...] eu tava estudando há seis meses. Ele olhou, sentou e tocou. Aí eu compreendi que Deus tinha dado a ele enquanto ele dormia [R.A.] Ó, isso é um princípio fundamental da Reforma. Sabe que as coisas, não é por esforço, não, as coisas são dadas. Mas daqui a pouco a gente pega isso de novo.
Pois, então, deixa eu explicar pra vocês. Eu gosto muito de ouvir música quando eu tô trabalhando, e geralmente pra trabalhar com música, tem que ser uma música... não pode ser Brahm, não pode ser Mahler, não pode ser o quinto concerto de Bethoven, tem que ser uma coisa... ah... um barroco assim, baixinho. Mas nesses dias eu tava com um CD, que eu nunca tinha ouvido. Uma sonata para piano e violino de César Franck [...] Aí cheguei lá, abri meu micro, retirei o CD, comecei a trabalhar. Daí a pouco as lágrimas estavam escorrendo. E eu parei e fiquei me perguntando: “Mas o que é isso? Por que se é que eu nunca ouvi isso... Por que eu tô chorando?” Eu sei, a resposta é: é porque é belo. As coisas belas fazem chorar. Mas o que que é uma coisa bela? Porque que uma coisa é bela? Aí, eu tive que me valer de uma teoria de um grande filosófo. Dizem assim que toda a filosofia ocidental é uma nota de rodapé da sua Filosofia... que é Platão. E Platão tinha a estranha idéia... Ele contava mitos, inventava histórias... e muitas são parábolas. E ele diz que antes de nós nascermos, nós contemplamos todas as coisas belas, boas e verdadeiras. E quando nós nascemos, nós esquecemos estas coisas, mas elas ficam adormecidas dentro de nós. Igual aquela história da Bela Adormecida. Vocês se lembram? Se lembram da Bela Adormecida? A coisa bela foi acordada quando ela recebeu um beijo de amor. Acontece a mesma coisa com a música. Eu acredito que todas as coisas belas estão adormecidas dentro de nós e os artistas são esses seres, são esses anjos privilegiados que têm a capacidade de se lembrar da coisa, e quando ele toca a coisa que eu sinto bela, não é porque seja coisa nova, é porque aquela beleza tá dentro de mim. Então César Franck não é Cesar Franck, sou eu. Mozart não é Mozart, sou eu. Éh... Bach não é Bach, sou eu. E é por isso que eu choro, eu vibro; e a prova de aquela coisa sou eu é que quando eu estremeço, eu choro e vibro, porque está dentro de mim.
Ah...Você sabia, era isso que eu queria dizer que o protestantismo já tava dentro de mim, eu já sabia, eu já sabia, eu tava lá [...] talvez até antes de Lutero. Há um educador português. Os portugueses são maravilhosos, viu?. Oh! Gente inteligente! [R.A.]. [...] e esse educador português tem a seguinte frase... vários educadores... “só se aprende o não essencial, o essencial somo-lo”. Eh... aquele português falaria pro Jânio Quadros: somo-lo; somo-lo; somo-lo [R.A.]. O essencial nós somos, quer dizer, a coisa tá dentro de mim. Não me foi ensinado. O protestantismo não foi ensinado, o protestantismo tava dentro de mim. E é isso que eu acredito: que as experiências religiosas estão adormecidas dentro de nós. Não só as experiências religiosas, mas experiências amorosas, porque, na verdade, experiências religiosas e amorosas são a mesma coisa. Deixa eu dizer, então, pra vocês um verso do Fernando Pessoa, que é a mais linda declaração de amor que eu já ouvi que explica isso. Ele diz o seguinte: [...] “Amei-te já muito antes, tornei a encontrar-te, quando te achei, logo que achei, te conheci? Não, você já estava dentro de mim. Eu já te amava sem saber, mas de repente ao te encontrar, [...] tornei a encontrar-te quando te achei.” E é isso que eu sinto. [...] uma coisa dentro de mim que quando eu soube da Reforma eu descobri que era aquilo. Mmas o que é isso que eu encontrei de novo? O que é isso que eu encontrei de novo? O que que é isso que está dentro de mim de que eu me lembro? É uma coisa chamada sonho. A Reforma é um sonho d´alma humana. É o sonho de que nós somos seres alados. Vou repetir: a Reforma é um sonho de que nós somos seres alados [...] vocês não sabem, eu preciso que vocês fiquem sabendo: sonhos são a nossa substância. Nós somos feitos de sonhos, quem diz isto é Shakespeare. Não só Shakespeare, Freud diz a mesma coisa. Não apenas Freud, todos os poetas sabem disso. Que nós somos sonhos. Onde moram os sonhos? Vocês sabem que Freud falou-o: o consciente, o inconsciente. O que que é o consciente? O consciente é a cabeça da gente. As coisas que a gente sabe, as coisas banais. O que que é o inconsciente? O inconsciente é o lugar onde mora o amor, de onde brotam as coisas belas, a alegria, a tristeza, a esperança. E é também o lugar onde rastejam monstros, é o lugar dos pesadelos, das violências dos horrores. Então esse lugar chamado inconsciente é o lugar de paraísos e infernos; e esses paraísos e infernos estão permanentemente em luta uns com os outros. Então, sonhos são essas profundezas do indivíduo. E as religiões? As religiões são sonhos da coletividade. Sonhos e muitos sonhos.
Lutero nasceu em num mundo de pesadelos. Se vocês quiserem saber como eram os pesadelos medievais, vejam as telas daquele pintor Jerônimo Bosch. Um surrealista, quinhentos anos antes do Surrealimo. Algumas telas do Bosch elas são tão monstruosas. Aliás, uma delas se parece muito com um quadro protestante chamado “os dois caminhos”, não sei se vocês sabem. O que tem acontecido com o protestantismo é que o protestantismo, depois de voar, depois de voar muito e... Eu conto a história no final pra vocês. Do Pato Selvagem. Eu conto a história...
Ah... O Bosch é um autor de monstros. O inferno, o inferno de Bosch é uma coisa pra gente não dormir mais, mas não precisa falar no inferno de Bosch. A gente pode pensar num pintor da Renascença, por exemplo, éh... éh... Michelangelo. A tela da Capela Sistina, o Juízo Final, Cristo maravilhosamente atlético, forte; e é hora do julgamento e não há nem um sorriso de piedade em Jesus Cristo, porque lá está o juiz, que agora vai fazer os acertos finais; e lá estão os condenados como se fossem contorcidos de medo sendo arrastados pelos demônios para o inferno. Esse é o mundo medieval. O juiz que não perdoa.
A doutrina cristã da expiação, vocês sabem da história da expiação, que Jesus Cristo morreu para pagar os nossos pecados. Pagar? Esse ensejo não tem nada a ver com amor! Porque Deus não perdoa! Então ele fez matar o seu filho para pagar a sua dívida. [...] Deus é um sádico que para ficar feliz tem que matar o filho? Quem pensou isso nunca teve filho! Porque vocês sabem... quem é pai sabe que é sempre o pai que se deixa matar para que o filho viva, mas é isso que pelo caminho inconsciente e perturbado o cristianismo medieval elaborou como sendo a fé. Então era aquele mundo do Deus vingador sádico. Ah! Como Deus é sádico! [...] tem um texto que diz assim: “Deus e os salvos, nos céus, contemplarão os condenados no inferno nos explendores do seu sofrimento para que sua alegria seja completa.” [R.A.] [...] absolutamente ortodoxa, essa [...] quer dizer que não é ortodoxa? Deus é Onisciente? É. Então ele sabe o que está acontecendo no inferno? Sabe. Ele pode sofrer com o que está acontencendo no inferno? Não. Por que que não pode sofrer? Porque ele é Onipotente. Se está assim no inferno é porque ele quis, ou seja, não é contra a vontade dele, porque se fosse contra a vontade, então ele não seria Onipotente. E se ele sofresse, ele não seria perfeito, porque Deus não pode sofrer. Então a única resposta é que Deus tem que ficar feliz ao contemplar o sofrimento dos condenados no inferno. Para mim, isso não é Deus, para mim, isso é o retrato do demônio! Mas era precisamente esse Deus que estava no céu no mundo medieval. Um mundo de câmaras de tortura. De degredo. O mundo é um lugar de degredo. Há uma oração, e que os irmãos católicos me perdoem, mas eu vou dizer. É uma oração que tá no rosário do terço que se chama Salve Rainha, Rainha, que diz assim: “nós, os degredados filhos de Eva, neste vale de lágrimas, nos lamentamos” . Degredados filhos de Eva, neste vale de lágrimas. Então isso aqui não é mais o paraíso, não é criação de Deus? E esse era o mundo em que viviam os medievais, e como Deus tem uma transa comercial em que as dívidas são pagas, havia uma agência bancária que tinha transações com outro mundo. Aliás, as agências tinham um negócio que se chamava caixa dos méritos super rogatórios. Vocês já ouviram falar nisso? Isso é termo teológico. Caixa dos méritos super rogatório é o seguinte: os santos, quando eles fazem bondade mais do que é necessário para a salvação, esse excesso de poupança fica numa caixa. Fica uma poupança geral, que é de posse da igreja. [R.A.] [...] É verdade, gente! É verdade! [R.A.]. Péra, eu não tô dizendo que é verdade... eu tô dizendo que essa é uma doutrina! [R.A.]. Bom aí o que que acontecia... Aí vocês vão compreender uma coisa, um incidente que provocou a reforma. Foi quando a igreja éh... éh... precisando de dinheiro, resolveu lançar bônus no mercado [R.A.] Eram as famosas... éh... éh... indulgências de Tetzel. Por quê? Porque a igreja tinha um lastro. Tinha um lastro grande de poupança para vender, então você vendia e trocava os méritos espirituais por dinheiro. Era um negócio que a igreja fazia. Foi um grande escândalo. Mas, sabe, a Reforma não foi para resolver isso não. Lutero não é um reformador, eu não gosto dessa palavra. Ele não era um reformador. Porque Reforma, vocês sabem o que que é Reforma? A casa tá com a parede descascada, você vai lá conserta a parede, você pinta a parede. Lutero não tinha o menor interesse em consertar aquela estrutura, aquela escuridão, aquela coisa absolutamente terrível, um inconsciente perturbado de pesadelos.
Deixa eu fazer um cortezinho aqui e contar pra vocês sobre um compositor austríaco chamado Gustave Mahler. Mahler era um compositor e regente austríaco-judeu e ele se converteu ao catolicismo para manter o seu emprego. E Mahler era especialista em sinfonias. E a sua segunda sinfonia se chama sinfonia da Ressurreição em que ele descreve o drama cósmico da humanidade, da morte do inferno. E no último movimento, o quinto movimento, o clima é o seguinte. É o próprio Mahler que [...] é o próprio Mahler que descreve o que está acontecendo. O clima é: chegou o dia do juízo, as sepulturas se abrem, os mortos saem dos túmulos, reis e mendigos, justos e injustos, homens e mulheres, homens de todas as raças saem e há um grito de terror por todo o Universo porque chegou a hora do acerto final. É o trágico! O cenário está coberto de nuvens negras. Medo! Hora dos livros serem abertos. Aí, repentinamente, no meio desse horror, ouve-se o canto de um rouxinol [...] Depois do rouxinol, segue-se o canto de um coro. Imagino que devem ter cantado o coral de Bach, mansamente passam as ovelhas. Tudo é tranqüilo. Tudo é bucólico. E aí, naquele momento, quando vão se abrir os livros, onde está a... a contabilidade de Deus, percebe-se que não há nada escrito nos livros, Deus não tem contabilidade. E é só felicidade. Não há salvos e condenados. Não há inferno. Só existe a grande bondade de Deus que transborda sobre o mundo [...].
O cântico do rouxinol. No lugar do Deus Juiz ele colocou outra coisa. Ele colocou uma fonte de bondade no centro do universo. Deus é uma fonte de bondade. E é isso que tem o nome de graça. Fonte, água. O Riobaldo diz: “onde tem muita água, tudo é feliz”. E o Pequeno Príncipe comentando no deserto, ele diz o seguinte: o deserto é belo porque em algum lugar existe uma fonte. Eu diria, então, o Universo é belo porque no seu centro existe uma fonte que é a bondade de Deus. Essa bondade de Deus, biblicamente, eu acho que não está expressa de maneira mais bonita que naquela parábola que... a que os pregadores e teólogos deram erradamente o nome de Filho Pródigo. Erradamente, por quê? Porque a parábola não termina com o Filho Pródigo – tinha outro filho, mas, geralmente os pregadores terminam com o Filho Pródigo, porque eles têm interesse em dizer que Deus perdoa, “então nós somos pecadores, podem voltar para a casa, porque Deus perdoa”. Mas o que falar com o filho mais velho? Qual é o papel dele na parábola? Então, eu vou fazer uma paráfrase daquela parábola. Parábola vocês sabem é uma... é a mesma coisa dita com outras palavras. O filho pródigo volta pra casa, defronta-se com o pai, sorridente, o pai, e diz: “pai [...] todo o meu dinheiro e gastei; eu sou devedor, tu és credor. O pai diz pra ele: “meu filho, eu não somo débitos [...]”. Aí ele vai conversar com o filho mais velho que estava furioso [R.A.] [...]. Aí o filho... o filho diz para o pai: “pai, sempre trabalhei fielmente. Tu nunca me pagaste nada. Nem mesmo me deste um carneiro para [...] para alegrar com os meus amigos. Eu sou credor, tu és devedor.” O pai diz: “meu filho [...]” Eles viviam num mundo de débitos e créditos. Então a parábola não podia se chamar Parábola do Filho Pródigo. Teria que chamar a Parábola do Pai Amoroso. Foi precisamente isso que Lutero compreendeu – que Deus é uma fonte transbordante de bondade.
E isso então cria pra gente uma imensa liberdade. Não sei se vocês sabem que um dos tratados mais importantes de Lutero é um tratado da liberdade cristã. Liberdade, por quê? Pelo seguinte: se não há contas a pagar, eu estou livre das cobranças do banco; eu não preciso mais do banco que faz a intermediação. Então, eu estou livre da intermediação, no caso, eu não mais preciso da intermediação da Igreja Católica. E é isso o que quer dizer o sacerdócio universal dos crentes. Nós temos livre acesso. Podemos ir diretamente beber da água. Não precisamos comprar água engarrafada em algum lugar. Nós somos livres. E depois, olha uma coisa sobre a fonte. Essa idéia da fonte é muito bonita, porque a fonte, ela sempre produz água limpa a despeito do que nós possamos fazer com ela. Eu posso ir lá colocar excrementos, sujeira, lixo. A fonte não reage. A fonte não reage – ela continua a ser boa. E é isso o que quer dizer graça. Deus é sempre Deus. Deus não reage àquilo que nós fazemos. Ele não fica bravo com quem não obedece e fica [...] com os que são bonzinhos. Ele é sempre bom. Então, se ele é sempre bom, nós temos a liberdade pra fazer o que quiser, porque a fonte nos libertou e agora nós estamos tomados de amor, e se nós estamos tomados de amor, a liberdade é total. Éh... Santo Agostinho, perguntaram a ele como é que a gente deve agir. Ele respondeu: “ama a Deus e fazes o que quiseres”. Mas não é verdade? Porque se eu amo, eu posso fazer o que eu quiser. Porque se eu amo, eu só farei coisas que signifiquem amor ao meu próximo. Eu não tenho que pensar que eu tenho que fazer isso, tenho que fazer aquilo [...] O que que o padre diz... Porque agora eu tenho liberdade para viver a partir [...] Liberdade de pensar.
Liberdade de pensar é uma das coisas mais deliciosas. Eu sei que muitas pessoas ficaram muito aflitas, éh... na igreja porque eu vinha falar aqui [R.A.] [...] pensamentos esquisitos [R.A.]. Mas isso é parte da tradição da Reforma.
Sabe, olha, eu quero dizer o seguinte: se Deus é sempre amor, se Deus não dá bola pra o que nós estamos fazendo [...] porque ele é sempre amor, como pai, é sempre amor, então nós somos livres pra pensar o que nós quisermos. Posso ser herege à vontade! [R.A.] Deus não tá ligando pra heresia [R.A.] porque os nossos pensamentos são tão tolos que se uma pessoa pensar que ela tem o pensamento certo acerca de Deus, essa pessoa deve ser trancada num éh... sanatório, num manicômio, [R.A.] porque só um doido varrido pensa que sabe coisas sobre Deus, porque Deus é um grande mistério. No Velho Testamento até era proíbido falar o nome de Deus. Agora os teólogos fazem tratado de Anatomia e Fisiologia divina [R.A.]. É isso que é pecado. Então, eu sou livre pra pensar o que eu quiser. E eu que gosto muito de escrever história pra crianças, muitas das histórias que eu escrevo, parece que é pra criança, mas é pra adulto. São pra adulto. Eu, então, escrevi uma história dedicada aos teólogos que acham que tem o jeito certo de fazer as coisas. É a história de um galo que cantava pra fazer o sol nascer. Vocês sabem essa história? Uma história antiga [...] Havia no galinheiro um galo. Todo dia ele ia com as galinhas, e com os perus e com os patos. De manhã, olhava o horizonte lá, e ele dizia: “Vou cantar para fazer o sol nascer”. Subia lá em cima. Batia as asas. Cantava. E ficava esperando o sol nascer e o sol nascia. E a galinhada, os patos e os perus ficavam esticados: “Meu Deus, que poder tem esse galo! Ele canta e o sol nasce!” – mas era interessante o seguinte: que havia pelo vale a fora uma quantidade enorme de galos. Todos eles cantando e todos eles diziam que o sol nascia por causa do seu canto. E cada galo cantava de um jeito diferente. Um cantava com uma partitura. Outro cantava com a outra partitura [R.A.] [...]. Mas afinal de contas qual é a partitura certa para fazer o sol nascer?
Ninguém sabia qual era a partitura certa, mas vai acontecer uma coisa. É o seguinte: que aquele galo um dia [...] perdeu a hora e ele acordou com as gargalhadas do peru – gargalhando porque ele tinha (...) o sol tava lá, maravilhoso. Começaram a rir do galo, compreenderam que aquilo tudo era lorota do galo, que ele podia cantar à vontade, ou não cantar, que o sol ia nascer do mesmo jeito. E o galo entrou numa grande depressão [R.A.] e aí ele descobriu que não tinha tanto poder. Aí depois de passado muito tempo, a galinhada acordou de manhã com o canto do galo. Aí um peru veio caçoando: “tá cantando pra fazer o sol nascer?” E o galo disse: “Antigamente eu era teólogo e cantava pra fazer o sol nascer. Agora eu sou poeta, e canto porque o sol vai nascer.” [R.A.]
Gente, isso aí é uma das coisas mais centrais do espírito da Reforma que significa que nós somos livres, não é? Não é pecado pensar errado, porque ninguém sabe o que é pensar certo. Então a gente pode pensar do jeito que for, que não tem ortodoxo e herege. E quem quiser dizer que o outro é herege não está entendendo direito o espírito da Reforma.
[...] Surge esse mundo com mares montanhas, praias, vales, rios, aves, bosques, crianças, pássaros, animais, [...]. Este mundo é bom. A vida é boa. Este mundo é uma dádiva. Temos o direito de gozar este mundo. Não é um vale de lágrimas. Não é um lugar de degredo para os desgraçados filhos de Eva. Mas é um lugar que Deus com a sua graça e a sua bondade criou.
Então, vejam uma coisa interessante. Graças a esse Deus, nós somos libertados dos pensamentos tolos acerca da vida futura. Que são tolos os pensamentos... Que a gente nada sabe... Mas a gente sabe só de uma coisa: Deus tomou conta de tudo, então eu não tenho com o que me preocupar, não há nada que possa fazer [...]. E aqui nós realizamos aquilo que Lutero chamava a Vocação. Eu sou chamado para viver nesse mundo, da mesma forma como Deus é chamado a viver neste mundo. Ele achou esse mundo tão bom que, depois de criar o paraíso, largou o céu dele e ficou lá, andando no paraíso. Não é verdade? Vocês vejam que coisa interessante. Deus pode fazer uma coisa pior? [...] cabeça de jovem de vocês. Deus pode fazer uma coisa pior? Não. Deus é perfeito. Ele só pode fazer coisa melhor. Mas Deus criou o paraíso. Quer dizer que o paraíso é melhor do que o céu onde ele estava. Por que se o céu fosse totalmente bom, ele não teria criado o paraíso. Estaria contente com o céu. Não é verdade? Ele criou o paraíso e a cada momento que ele criava ele dizia: É bom, é bom, é bom, é bom, é muito bom. E ele achou tão bom que ficou andando lá pelo jardim. Vocês se lembram? Ele ficava passeando pelo jardim pela viração da tarde e aí ele chegou à conclusão que era muito melhor ser homem do que ser Deus [R.A.]. Heresia? Não! Foi por isso que ele se encarnou! Ele se transformou em homem, porque é bom ser homem e ser mulher, ainda com o risco da morte. Segundo a doutrina ortodoxa o Deus humano, Jesus Cristo, está incluso na Trindade. Na Trindade está [...] que é para isso que nós fomos criados.
Deixe só dizer. Sei que vocês estão cansados. Deixe só dizer mais uma coisinha. Tem uma coisa estranha dentro [...] que é a separação dos dois reinos. Vocês sabem que pra eles existiam dois reinos? O Reino da Lei e o Reino da Graça. Os dois são separados. Vocês vão entender que é muito interessante. Éh... pra isso eu vou usar um exemplo. Éh... perdão, o organista... éh... como é o seu nome? [...] Sabe construir orgãos? Não, não sabe, não sabe construir orgãos... coitado [R.A.] Quem constrói orgãos são pessoas altamente qualificadas que têm conhecimento científico. Esse órgão aí, ele é regido por uma lei. Não pode ter nada de arbritário. As notas tem que ser afinadas exatamente no jeito. Não pode ter arbitrariedade. Mesma coisa com a construção de piano. O Steinway – que são os pianos mais famosos – quem constrói um Steinway são, são artistas que sabem precisamente os décimos de milímetro [...] construírem pianos ou de outros construírem órgãos, não quer dizer que eles saibam tocar piano. Eles não são compositores, os fabricantes de Steinway, os fabricantes de órgão. Os compositores, os executantes não sabem fazer o instrumento, mas sabem tocar. Os outros sabem fazer e não sabem tocar.
Lei e graça é assim: lei é fabricar a coisa, fazer a coisa. Graça é sentar e tocar. As duas coisas são separadas. Completamente diferentes. Então Lutero dizia que as coisas são separadas. O que que o Reino da Graça faz? O Reino da Graça nos torna bons, melhores, mas isso não nos dá competência.
Deixe só dizer. Sei que vocês estão cansados. Deixe só dizer mais uma coisinha. Tem uma coisa estranha dentro [...] que é a separação dos dois reinos. Vocês sabem que pra eles existiam dois reinos? O Reino da Lei e o Reino da Graça. Os dois são separados. Vocês vão entender que é muito interessante. Éh... pra isso eu vou usar um exemplo. Éh... perdão, o organista... éh... como é o seu nome? [...] Sabe construir orgãos? Não, não sabe, não sabe construir orgãos... coitado [R.A.] Quem constrói orgãos são pessoas altamente qualificadas que têm conhecimento científico. Esse órgão aí, ele é regido por uma lei. Não pode ter nada de arbritário. As notas tem que ser afinadas exatamente no jeito. Não pode ter arbitrariedade. Mesma coisa com a construção de piano. O Steinway – que são os pianos mais famosos – quem constrói um Steinway são, são artistas que sabem precisamente os décimos de milímetro [...] construírem pianos ou de outros construírem órgãos, não quer dizer que eles saibam tocar piano. Eles não são compositores, os fabricantes de Steinway, os fabricantes de órgão. Os compositores, os executantes não sabem fazer o instrumento, mas sabem tocar. Os outros sabem fazer e não sabem tocar.
Lei e graça é assim: lei é fabricar a coisa, fazer a coisa. Graça é sentar e tocar. As duas coisas são separadas. Completamente diferentes. Então Lutero dizia que as coisas são separadas. O que que o Reino da Graça faz? O Reino da Graça nos torna bons, melhores, mas isso não nos dá competência.
Quando eu vou procurar um médico, eu não quero saber se ele é cristão. Acho que, espero que vocês também não queiram. Que a gente quer um médico que seja competente. Eu quero é competência. Está no Reino da Lei. É. Se eu quero um mecânico, eu quero um mecânico competente. Sujeito que saiba dominar aquilo. Mas competente, não quer dizer que o competente seja bom de coração. Ele pode não ser bom de coração, mas ele ser muito competente. Então as duas coisas são separadas. E o grande escândalo que existe é que ele dizia que, também, a fé não tem nada a ver com política. O mundo da Graça não tem nada a ver com o mundo, com a ordem secular, com a política. Mas vocês vão entender. É o seguinte: a política não faz ninguém bom. Parece até o contrário. O que torna as pessoas boas é a fonte de água da vida. Essa fonte de água da vida, então me diz [...] “é preciso lutar pra preservar a natureza”. Mas esse amor pela natureza não me dá a competência para estabelecer políticas pra preservação da Natureza. Isso é uma coisa totalmente secular, ele tem que saber sobre floresta, sobre água, sobre rios, sobre mares. São coisas seculares, não estão nas Sagradas Escrituras. As Sagradas Escrituras não são livro de Ciência. As Sagradas Escrituras são um livro de poesia. Pela poesia, nós nos tornamos bons, pela Ciência, nós nos tornamos competentes.
Deixe só dizer mais uma coisinha. [...] leram aquele livro do Humberto Eco? O Nome da Rosa? É... no conselho medieval, nesse conselho havia um monge cego que achava que o maior pecado era rir. Ninguém se atrevia a rir na presença do irmão Pedro. No mundo do catolicismo medieval não era possível rir porque o mundo era realmente trágico, mas [...] descobre que não é aquilo que o rouxinol canta, então a gente tem a liberdade pra rir, então existe um elemento de humor ligado à Reforma é e por isso que um dos grandes pensadores reformados do século passado: R. Niebuhr. Ele dizia o seguinte: “o riso é o princípio da oração”, ou seja, pra orar a gente não pode se levar muito a sério não. A gente não deve nem acreditar nas coisas que a gente tá falando, tem horas que a gente fala tantas bobagens, tantas coisas. A gente tem que simplesmente confiar que Deus vai dar risada das bobagens que a gente tá falando. E a gente vai rir também, e a gente vai confiar que Deus sabe melhor do que nós as coisas. Então nós vamos rindo e na medida que nós vamos rindo, a gente vai dizendo a Deus assim : “olha, eu acredito na tua bondade, portanto eu não preciso ficar sério.”
[...] naquele dia ela fez uma história pra minha filha, e um dia eu viajava pro exterior e ela tinha 4 anos de idade. E ela começou a ficar muito angustiada por causa da viagem. Então eu disse a ela “vou te contar uma história”. E as histórias... ó eu não tenho a graça de tocar música assim, mas eu tenho a graça de escrever a história [R.A.].
[...] naquele dia ela fez uma história pra minha filha, e um dia eu viajava pro exterior e ela tinha 4 anos de idade. E ela começou a ficar muito angustiada por causa da viagem. Então eu disse a ela “vou te contar uma história”. E as histórias... ó eu não tenho a graça de tocar música assim, mas eu tenho a graça de escrever a história [R.A.].
E é uma coisa interessante [...] na história. É que a história não é um produto da cabeça não, ela aparece, é uma revelação [R.A.]. Então eu contei para ela a seguinte história. “Era uma vez uma menina que tinha por seu melhor amigo um Pássaro Encantado. O Pássaro era Encantado por duas razões: primeiro, porque ele não vivia em gaiolas e vinha quando queria. Segundo, porque ele vinha sempre com as penas coloridas nos lugares aonde ele tinha estado voando. Uma vez ele voltou completamente branco. Contou histórias com montanhas cobertas de neve. Outras vez, voltou completamente vermelho. Contou histórias de desertos cobertos pelo sol. Por que era grande a felicidade quando o pássaro e a menina estavam juntos. Mas sempre chegava o momento quando o pássaro dizia: “eu vou embora, menina”. E a menina chorava e dizia: “não vai não, pássaro, a gente é tão feliz” Aí o pássaro dizia pra ela: “Você não entende, menina, que eu sou só encantado por causa da saudade? É preciso que você tenha saudade de mim para que eu seja encantado. É preciso que eu tenha saudade de você pra que eu te ame. Então eu vou... pra sentir saudade, pra te amar.” Partia. A menina não se conformava, não acreditava no pássaro [...]. Então, ela teve uma idéia [...] Ela comprou uma gaiola de prata e disse: “vou prender o meu pássaro, e aí nós seremos eternamente felizes”. Foi o que ela fez. Comprou uma gaiola. Próxima vez que o pássaro chegou e contou as histórias, ele tava dormindo, e ela, cuidadosamente, [...] o pássaro e botou dentro da gaiola. De manhã, o pássaro acordou com um grito de pavor: “Ah! Menina, você não sabe o que você fez comigo. Você vai me destruir, eu vou deixar de te amar, você vai deixar de me amar e eu não serei mais encantado, não terei mais histórias pra te contar.” A menina não acreditou, mas foi o que aconteceu. O pássaro foi ficando triste, parou de cantar, não tinha mais histórias, foi perdendo as penas. Foi ficando murcho, estava morrendo. Até que a menina percebeu o que ela tinha feito com o pássaro e resolveu então abrir a janela... a gaiola.... a porta da gaiola. O pássaro voou e disse pra menina: “Menina, obrigado. Vai demorar. Vou embora. Vai demorar, mas eu vou sentir saudade de novo e na medida que eu sentir saudade, vou ficar encantado, minhas penas vão ter cores coloridas e você também vai ter saudades, você vai me amar de novo. Eu voltarei.” E o pássaro partiu. A menina sabia que em algum lugar do mundo, o pássaro estava, ele voltaria. Então todo o dia ela pensava “de onde será que meu pássaro virá”. Todo dia então ela se aprontava, botava uma flor na jarra e vestia um vestido novo, e pensava: “Quem sabe ele voltará hoje”.
Essa história eu escrevi porque a minha filha tava com medo da minha viagem. Depois eu descobri que, depois de publicada, essa história começou a ser usada por terapeutas para lidar com casais engaiolantes [R.A.] [...] mulher querendo botar o marido na gaiola [R.A.] Tá vendo! Ó, ô Alberto, você citou o Fernando Pessoa, né? Comunicar a nossa identidade íntima com eles. Foi só falar, que todo mundo deu risada, quer dizer, todo mundo tem culpa no cartório [R.A.] Todo mundo já [...] engaiolado. [R.A.] Aí um dia eu encontrei com uma pessoa que disse: “mais que linda história teológica você escreveu”. “Que história teológica?”, “Aquela da menina e o pássaro encantado!”. Aí eu fiquei parado. “Mah como?”. “Mas, escuta, o pássaro encantado não é Deus que as religiões põem na gaiola?”
Jesus Cristo estava trancado numa gaiola. Ele não voava mais. Era prisioneiro de uma instituição. Havia perdido o poder de fazer os homens felizes. E, de repente, aparece Lutero e abre e porta da gaiola. Aí o pássaro voa de novo.
A fé na Reforma é a fé num pássaro encantado que a gente não vê. Ele não está nas doutrinas, ele não está preso em qualquer lugar. Ele não é de uma igreja. Ele está ausente. Os sacramentos são a celebração de uma ausência. Mas é isso que é “em memória de mim”. Mas a gente só tem memória quando tá ausente! Mas é justamente na memória que a gente sente saudade. Deus não é prisioneiro de nenhuma igreja. Ele é um pássaro encantado [...] nossa imaginação que nós faz voar [...] encantado; e é aí que uma coisa estranha acontece com a gente. Começa a acontecer uma coisa nas costas e a gente percebe que asas estão crescendo [...]. Que a bondade de Deus não castiga [...] que nos chama ao amor, e com isso nós podemos fazer um mundo [...]
25 comments:
Espero que as igrejas Presbiterianas não o chamem para pregar, nunca mais.
Muito bom o blog.
Caro Alexsandro,
Eu também espero isso. Infelizmente, hoje Rubem Alves está bem longe dos caminhos do Senhor.
Que caos vivemos! De um lado a podridão neo-pagã-medieval-pentecostalizada e de outro alguém intectu-gnóstico-apóstata adepto da alta crítica e com ares de Tilich, Bultmamm e outros liberais!
Me impressiono ao ver uma igreja presbiteriana acolher tal pregador. Pregador de que? De Jesus? Claro que não. Esse é o grande problema da IPB: Valorizar demasiadamente a intelectualidade e ignorar talves alguém com não tanto preparo mas CRENTE EN CRISTO.
Caro Bernardo,
Concordo plenamente!
Abraço,
Ageu.
Para mim essa é uma das pregações mais lindas que já vi nos últimos dias. Eu gostaria que ele pudesse pregar na minha igreja, penso que esteja na hora de querermos institucionalizar Deus, pois Ele não pertence a igreja nenhuma, Deus é espírito e importa que seus adoradores O adorem em espírito e em verdade!
Sara
Sara, Rubem Alves não prega. Ele fala. Quem prega é pastor, crente, discípulo de Cristo, e, infelizmente, Rubem Alves abandonou este caminho a tempos. Leia os últimos escritos de Rubem Alves sobre Deus, Jesus e religião e você verá que ele não trilha mais este caminho conosco.
Que lindo!
Muito obrigado, essa mensagem me edificou muito. Li às lágrimas e senti Deus.
Abraçao.
Inté!
Caro Éverton, este é um problema: Emocionar-se com uma mensagem anti-bíblica e "sentir" um Deus que não quer ser "sentido", mas conhecido e amado. Abraço, Pr. Ageu
A perdição sempre se apresentou em forma de sabedoria. A idéia da serpente lançada à Eva a motivou a pensar sobre algo que talvez ela ainda não havia considerado. Eva olhou para o fruto proibido com novas perspectivas e cometeu um erro fatal com seu marido.
O erro é bonito e atraente. Satanás sabe atiçar nossas mais profundas emoções, ele é um maestro, um poeta, um artista e um inimigo mortífero. Sua arte e beleza são inferiores à beleza da santidade do Senhor, que aos homens comuns está escondida por causa das trevas que tomam conta de suas vidas enquanto pessoas escravas e dependentes do pecado. A única maneira de desfrutarmos da verdadeira beleza que a santidade de Deus é, é ter a Cristo como o nosso único e suficiente Senhor e Salvador.
Deus Abençôe a vida do Rubem Alves. Sempre de forma poética mostra o verdadeiro espírito do Evangelho. Infelizmente não temos o privilégio de ouvirmos em nossos púlpitos constantemente. Quem sabe um dia não teremos mais "Igrejas de Copacabana". Mas como Presbiteriano e leitor do Rubem mesmo sem ouví-lo em nossos púlpitos temos seus livros e conferências que nos enriquecem e são profundamente abençoadoras.
Pergunto-me se Moisés pregava desse, jeito... Jeremias, Amós, Jonas, Cristo, Pedro, Paulo, Timóteo. Este, no seu sermão de inauguração na festa do Pentecostes, ouviu do povo a pergunta, após concluir: que faremos, irmãos? Esta transcrição nem mesmo é um sermão, é um solilóquio...quem adorna a mensagem de arte, e não de verdade, é o artífice que esculpe um ídolo.. torne-se semelhante a ele. Isso é péssima arte e péssima teologia. Estragou as duas áreas, numa tacada só.
Talvez alguns dos fãs de RA poderão vê-lo pregar no inferno...
Daniel
sempre ouve uma "elite intelectual" que se acha culta demais para a Palavra e prefere ouvir as novidades dos "pensadores" liberais a ouvir a Verdade do Velho Evangelho; me entristesse saber que há pessoas assim na IPB.
Que incoerencia, no dia da Reforma chamar um "Erasmo de Roterdã" para "pregar"!!!
Parabéns à igreja presbiteriana por ter dado aos seus fiéis a oportunidade de escutar uma pessoa iluminada como Rubem Alves. Se o inferno está cheio de pessoas como ele, o lugar não é de todo ruim...
Rev. Ageu,
Por favor, por acaso o senhor saberia dizer quem era o pastor da Igreja Prebiteriana de Copacabana em 2003, por ocasião dessa "pregação" de Rubem Alves?
Obrigado, Joel.
Caro Joel,
Acho que era o Rev. Carlos Alberto Chaves.
Obrigado pela resposta, Rev. Ageu!
P.S.1:
No culto da Reforma, em uma igreja (teoricamente) reformada, o "pregador" diz que os verdadeiros pecadores são os teólogos (como o são os próprios reformadores Lutero e Calvino!). É de doer...
P.S.2:
O Rev. Carlos Alberto Chaves (Fernandes?) é aquele do movimento ecumênico que hoje se encontra na Igreja Anglicana? Se sim, bom para ele e melhor para a Igreja Presbiteriana!
Infelizmente o Rev Carlos Alberto não está mais em nossa Igreja. Mas ainda temos muitos teólogos que possuem a mente de Cristo e uma visão cristã do reino que consegue ver Igreja além de nossa IPB. A IPB não pode querer impedir seus fiéis de pensar.
Sinceramente, gostei da pregação. Gostaria, inclusive, de obter o audio dessa mensagem, se possível!
Aliás, informo que a copiei para meu blog: http://leleite.blogspot.com/2011/07/pregacao-rubem-alves.html
Muito Obrigado pela transcrição.
O ex-pastor Rubens Alves tem muita intelectualidade,nada de espiritualidade para pregar,trazer um sermão em um culto,num púlpito em uma Igreja Presbiteriana.Fico muito triste qdo.vejo um conselho de uma Igreja Presbiteriana permitir q.Rubens Alves ocupem um púloito q.é sagrado para trazer um "sermão".respeito-o como professor,nada além disto.
Engraçado...
Por que não comentam que o Rubem Alves foi chamado para pregar na ocasião para a nossa amada IPB corrigir um erro do passado no militarismo?
Por que Rubem Alves fez a crônica/história/livro sobre o pássaro e por que ele foi viajar?
Achei que ele - Rubem Alves - foi muito gentil em não citar os motivos.
Aos que não sabem: que a Igreja Presbiteriana do Brasil (na verdade os seus líderes da época) o entregou ao militarismo dominante e fortalecido pelo Ato Institucional número 5 e que ele (Rubem Alves) teve que fugir para os EUA, e antes de fugir recebeu o refugio da loja maçônica do qual o Pastor da IPB da cidade vizinha em MG era membro.
Fato que parece que os advindos do JMC tendem a esconder por razões políticas (a maioria está lápor isto), mas "quem veio de Campinas" conviveu com os algozes e os advogados de defesa da época, sem estar sob as asas políticas e protetoras do Mackenzie.
Sobre o que ele pregou?
O Espírito Santo é livre e sopra aonde quer, o Rev. Ageu sabe bem disso, Rubem Alves PREGOU e Deus usa a quem quer usar apesar e independente de nós (nenhum de nós está apto a pregar, ou estamos? Isto não tem em comum com clericalismo?), Eu não sou mais ou menos santo do que Rubem Alves, a única diferença é que eu posso - por direito e prerrogativa sacerdotal exclusiva - impetrar a benção apostólica (que é um versículo bíblico) no final do culto e ele não pode, Deus usa até os mentirosos e omissos que escondem a história de fato e se escondem no apoio político a candidatos ao Supremo Concílio.
Fica aqui o meu registro e meu espanto por mentes presbiterianas que acreditam na eleição e predestinação somente dos que são membros ativos da IPB e não para todos os que foram alcançados por Deus em sua Graça que elege e predestina, mas que não carimba: SOMENTE OS DA IPB.
Rev. Alexandre - Santo André
Ele é um esquerdista babaca, que usou esta celebração para mostrar sua erudição e quanto é descolado.
"Hoje, as idéias centrais da teologia cristã em que acreditei nada significam para mim: são cascas de cigarra, vazias. Não fazem sentido. Não as entendo. Não as amo. Não posso amar um Pai que mata o Filho para satisfazer sua justiça." Rubem Alves
Para os peixinhos do aquario, quem troca a agua é Deus.
Mario Quintana
"Nenhum homem diz 'Deus não existe', a não ser aquele que tem interesse em que ele não exista." Agostinho
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