J.R.
Guzzo
Revista
Veja – 12/11/2012
Já
deveria ter ficado para trás no Brasil a época em que ser homossexual era um
problema. Não é mais o problema que era, com certeza, mas a verdade é que todo
o esforço feito há anos para reduzir o homossexualismo a sua verdadeira
natureza – uma questão estritamente pessoal – não vem tendo o sucesso esperado.
Na vida política, e só para ficar num caso recente, a rejeição ao
homossexualismo pela maioria do eleitorado continua sendo considerada um valor
decisivo nas campanhas eleitorais. Ainda agora, na eleição municipal de São
Paulo, houve muito ruído em tomo do infeliz “kit gay” que o Ministério da
Educação inventou e logo desinventou, tempos atrás, para sugerir aos estudantes
que a atração afetiva por pessoas do mesmo sexo é a coisa mais natural do
mundo. Não deu certo, no caso, porque o ex-ministro Fernando Haddad, o homem
associado ao “kit”, acabou ganhando – assim como não tinha dado certo na
eleição anterior, quando a candidata Marta Suplicy (curiosamente, uma das
campeãs da “causa gay” no país) fez insinuações agressivas quanto à
masculinidade do seu adversário Gilberto Kassab e foi derrotada por ele. Mas aí
é que está: apesar de sua aparente ineficácia como caça-votos, dizer que alguém
é gay, ou apenas pró-gay, ainda é uma “acusação”. Pode equivaler a um insulto
grave – e provocar uma denúncia por injúria, crime previsto no artigo 140 do
Código Penal Brasileiro. Nos cultos religiosos, o homossexualismo continua
sendo denunciado como infração gravíssima. Para a maioria das famílias
brasileiras, ter filhos ou filhas gay é um desastre – não do tamanho que já
foi, mas um drama do mesmo jeito.
Por que o empenho para eliminar a antipatia social em torno do homossexualismo
rateia tanto assim? O mais provável é que esteja sendo aplicada aqui a Lei das
Consequências Indesejadas, segundo a qual ações feitas em busca de um
determinado objetivo podem produzir resultados que ninguém queria obter, nem
imaginava que pudessem ser obtidos. É a velha história do Projeto Apollo. Foi
feito para levar o homem à Lua; acabou levando à descoberta da frigideira
Tefal. A Lei das Consequências Indesejadas pode ser do bem ou do mal. É do bem
quando os tais resultados que ninguém esperava são coisas boas, como aconteceu
no Projeto Apollo: o objetivo de colocar o homem na Lua foi alcançado – e ainda
rendeu uma bela frigideira, além de conduzir a um monte de outras invenções
provavelmente mais úteis que a própria viagem até lá. É do mal quando os
efeitos não previstos são o contrário daquilo que se pretendia obter. No caso
das atuais cruzadas em favor do estilo de vida gay, parece estar acontecendo
mais o mal do que o bem. Em vez de gerar a paz, todo esse movimento ajuda a
manter viva a animosidade; divide, quando deveria unir. O kit gay, por exemplo,
pretendia ser um convite à harmonia – mas acabou ficando com toda a cara de ser
um incentivo ao homossexualismo, e só gerou reprovação. O fato é que, de tanto
insistirem que os homossexuais devem ser tratados como uma categoria diferente
de cidadãos, merecedora de mais e mais direitos, ou como uma espécie ameaçada,
a ser protegida por uma coleção cada vez maior de leis, os patronos da causa
gay tropeçam frequentemente na lógica – e se afastam, com isso, do seu objetivo
central.
O primeiro problema sério quando se fala em “comunidade gay” é que a
“comunidade gay” não existe – e também não existem, em consequência, o
“movimento gay” ou suas “lideranças”. Como o restante da humanidade, os homossexuais,
antes de qualquer outra coisa, são indivíduos. Tem opiniões, valores e
personalidades diferentes. Adotam posições opostas em política, religião ou
questões éticas. Votam em candidatos que se opõem. Podem ser a favor ou contra
a pena de morte, as pesquisas com células-tronco ou a legalização do suicídio
assistido. Aprovam ou desaprovam greves, o voto obrigatório ou o novo Código
Florestal – e por aí se vai. Então por que, sendo tão distintos entre si
próprios, deveriam ser tratados como um bloco só? Na verdade, a única coisa que
têm em comum são suas preferências sexuais – mas isso não é suficiente para
transformá-los num conjunto isolado na sociedade, da mesma forma como não vem
ao caso falar em “comunidade heterossexual” para agrupar os indivíduos que
preferem se unir a pessoas do sexo oposto. A tendência a olharem para si mesmos
como uma classe à parte, na verdade, vai na direção exatamente contrária à sua
principal aspiração – a de serem cidadãos idênticos a todos os demais.
Outra tentativa de considerar os gays como um grupo de pessoas especiais é a
postura de seus porta-vozes quanto ao problema da violência, imaginam-se mais
vitimados pelo crime do que o resto da população; já se ouviu falar em
“holocausto” para descrever a sua situação. Pelos últimos números disponíveis,
entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no Brasil. Mas, num
país onde se cometem 50000 homicídios por ano, parece claro que o problema não
é a violência contra os gays; é a violência contra todos. Os homossexuais são
vítimas de arrastões em prédios de apartamentos, sofrem sequestros-relâmpago,
são assaltados nas ruas e podem ser mortos com um tiro na cabeça se fizerem o
gesto errado na hora do assalto – exatamente como ocorre a cada dia com os
heterossexuais; o drama real, para todos, está no fato de viverem no Brasil. E
as agressões gratuitas praticadas contra gays? Não há o menor sinal de que a
imensa maioria da população aprove, e muito menos cometa, esses crimes; são
fruto exclusivo da ação de delinquentes, não da sociedade brasileira.
Não há proveito algum para os homossexuais, igualmente, na facilidade cada vez
maior com que se utiliza a palavra “homofobia”; em vez de significar apenas a
raiva maligna diante do homossexualismo, como deveria, passou a designar com
frequência tudo o que não agrada a entidades ou militantes da “causa gay”.
Ainda no mês de junho, na última Parada Gay de São Paulo, os organizadores
disseram que “4 milhões” de pessoas tinham participado da marcha – já o
instituto de pesquisas Datafolha, utilizando técnicas específicas para esse
tipo de medição, apurou que o comparecimento real foi de 270000 manifestantes,
e que apenas 65000 fizeram o percurso do começo ao fim. A Folha de S.Paulo, que
publicou a informação, foi chamada de “homofóbica”. Alegou-se que o número
verdadeiro não poderia ter sido divulgado, para não “estimular o preconceito” -
mas com isso só se estimula a mentira. Qualquer artigo na imprensa que critique
o homossexualismo é considerado “homofóbico”; insiste-se que sua publicação não
deve ser protegida pela liberdade de expressão, pois “pregar o ódio é crime”.
Mas se alguém diz que não gosta de gays, ou algo parecido, não está praticando
crime algum – a lei, afinal, não obriga nenhum cidadão a gostar de
homossexuais, ou de espinafre, ou de seja lá o que for. Na verdade, não obriga
ninguém a gostar de ninguém; apenas exige que todos respeitem os direitos de
todos.
Há mais prejuízo que lucro, também, nas campanhas contra preconceitos
imaginários e por direitos duvidosos. Homossexuais se consideram discriminados,
por exemplo, por não poder doar sangue. Mas a doação de sangue não é um direito
ilimitado – também são proibidas de doar pessoas com mais de 65 anos ou que
tenham uma história clínica de diabetes, hepatite ou cardiopatias. O mesmo
acontece em relação ao casamento, um direito que tem limites muito claros. O
primeiro deles é que o casamento, por lei, é a união entre um homem e uma
mulher; não pode ser outra coisa. Pessoas do mesmo sexo podem viver livremente
como casais, pelo tempo e nas condições que quiserem. Podem apresentar-se na
sociedade como casados, celebrar bodas em público e manter uma vida
matrimonial. Mas a sua ligação não é um casamento – não gera filhos, nem uma
família, nem laços de parentesco. Há outros limites, bem óbvios. Um homem
também não pode se casar com uma cabra, por exemplo; pode até ter uma relação
estável com ela, mas não pode se casar. Não pode se casar com a própria mãe, ou
com uma irmã, filha, ou neta, e vice-versa. Não poder se casar com uma menor de
16 anos sem autorização dos pais, e se fizer sexo com uma menor de 14 anos
estará cometendo um crime. Ninguém, nem os gays, acha que qualquer proibição
dessas é um preconceito. Que discriminação haveria contra eles, então, se o
casamento tem restrições para todos? Argumenta-se que o casamento gay serviria
para garantir direitos de herança – mas não parece claro como poderiam ser
criadas garantias que já existem. Homossexuais podem perfeitamente doar em
testamento 50% dos seus bens a quem quiserem. Têm de respeitar a “legítima”,
que assegura a outra metade aos herdeiros naturais – mas essa obrigação é
exatamente a mesma para qualquer cidadão brasileiro. Se não tiverem herdeiros
protegidos pela “legítima”, poderão doar livremente 100% de seu patrimônio – ao
parceiro, à Santa Casa de Misericórdia ou à Igreja do Evangelho Quadrangular. E
daí?
A mais nociva de todas essas exigências, porém, é o esforço para transformar a
“homofobia” em crime, conforme se discute atualmente no Congresso. Não há um
único delito contra homossexuais que já não seja punido pela legislação penal
existente hoje no Brasil. Como a invenção de um novo crime poderia aumentar a
segurança dos gays, num país onde 90% dos homicídios nem sequer chegam a ser
julgados? A “criminalização da homofobia” é uma postura primitiva do ponto de
vista jurídico, aleijada na lógica e impossível de ser executada na prática. Um
crime, antes de mais nada, tem de ser “tipificado” – ou seja, tem de ser
descrito de forma absolutamente clara. Não existe “mais ou menos” no direito
penal; ou se diz precisamente o que é um crime, ou não há crime. O artigo 121
do Código Penal, para citar um caso clássico, diz o que é um homicídio: “Matar
alguém”. Como seria possível fazer algo parecido com a homofobia? Os principais
defensores da “criminalização” já admitiram, por sinal, que pregar contra o
homossexualismo nas igrejas não seria crime, para não baterem de frente com o
princípio da liberdade religiosa. Dizem, apenas, que o delito estaria na
promoção do “ódio”. Mas o que seria essa “promoção”? E como descrever em lei,
claramente, um sentimento como o ódio?
Os gays já percorreram um imenso caminho para se libertar da selvageria com que
foram tratados durante séculos e obter, enfim, os mesmos direitos dos demais
cidadãos. Na iluminadíssima Inglaterra de 1895, o escritor Oscar Wilde purgou
dois anos de trabalhos forçados por ser homossexual; sua vida e sua carreira
foram destruídas. Na França de 1963, o cantor e compositor Charles Trenet foi
condenado a um ano de prisão, pelo mesmo motivo. Nada lhe valeu ser um dos
maiores nomes da música popular francesa, autor de mais de 1000 canções, muitas
delas obras imortais como Douce France – uma espécie de segundo hino nacional
de seu país. Wilde, Trenet e tantos outros foram homens de sorte – antes, na
Europa do Renascimento, da cultura e da civilização, homossexuais iam direto
para as fogueiras da Santa Madre Igreja. Essas barbaridades não foram
eliminadas com paradas gay ou projetos de lei contra a homofobia, e sim pelo
avanço natural das sociedades no caminho da liberdade. É por conta desse
progresso que os homossexuais não precisam mais levar uma vida de terror,
escondendo sua identidade para conseguir trabalho, prover o seu sustento e
escapar às formas mais brutais de chantagem, discriminação e agressão. É por
isso que se tornou possível aos gays, no Brasil e no mundo de hoje, realizar o
que para muitos é a maior e mais legítima ambição: a de serem julgados por seus
méritos individuais, seja qual for a atividade que exerçam, e não por suas
opções em matéria de sexo.
Perder o essencial de vista, e iludir-se com o secundário, raramente é uma boa
ideia. |
1 comment:
isso é algo para se refletir .
Nos laços de Amor do Crucificado
Rodrigo Soucedo
www.viverparacadadia.blogspot.com
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