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e tivermos de aproveitar dos
escritos dos Puritanos sobre esse ou sobre qualquer outro assunto, nossa
abordagem de estudo precisa ser correta. É muito fácil que os admiradores dos
Puritanos estudem suas obras de um modo que os Puritanos seriam os primeiros a
condenar. Assim, podemos ter uma atitude errada para com os homens; podemos reverenciá-los
como se fossem autoridades infalíveis; mas eles nos açoitariam por tão
grosseiro lapso, o qual considerariam como papismo ou idolatria. Eles nos
lembrariam que não passavam de servos e expositores da Palavra de Deus, e
também nos incumbiriam de jamais considerar seus escritos como se fossem mais
que ajudas e guias para entendermos a Palavra. Nos assegurariam que, visto que
todos os homens, incluindo os Puritanos, podem errar, sempre devemos testar o
ensino deles com o máximo rigor, por meio da própria Palavra que eles buscavam
expor. Ou, novamente, podemos fazer uma aplicação errônea de seus ensinos. Podemos
imitar a linguagem deles e copiar suas maneiras, imaginando que, desse modo,
nos estamos pondo dentro da verdadeira tradição Puritana. Mas os Puritanos
procurariam impressionar-nos quanto ao fato que, se assim agíssemos, estaríamos
falhando precisamente nisso. Eles procuravam aplicar as eternas verdades da
Bíblia às circunstâncias particulares de sua própria época — morais, sociais,
políticas, eclesiásticas e assim por diante.
Se quisermos
nos manter na verdadeira tradição Puritana, então teremos de cuidar em aplicar essas
mesmas verdades às diferentes circunstâncias de nossos próprios dias. A
natureza humana não se modifica, mas os tempos, sim; portanto, embora a
aplicação da verdade divina à vida humana sempre seja a mesma em princípio, os
seus detalhes variam de uma época para outra. Contentar-nos em imitar os
Puritanos significaria um retrocesso mental do século XX, onde Deus nos
colocou, até ao século XVII, onde não estamos. Isso tanto é falta de
espiritualidade quanto não é realista. O Espírito Santo, acima de tudo, é
realista, e Ele foi dado para ensinar os crentes como devem viver para Deus, na
situação em que se encontram, e não em alguma outra situação onde outros santos
viveram. Abafamos o Espírito quando nos permitimos viver no passado. Tal
atitude mental é teologicamente culpável, pois mostra que teremos evitado um estágio
essencial em nossa maneira de pensar sobre a verdade de Deus — o estágio que
consiste em aplicá-la a nós mesmos. A aplicação jamais deve ser feita em
segunda mão, como um produto já acabado; antes, cada homem, de cada geração,
deve pôr em ação a sua consciência a fim de discernir, por si mesmo, como a
verdade se aplica e o que ela requer, na situação particular onde ele se acha.
A aplicação pode ser similar quanto aos detalhes, de uma geração para outra,
mas não devemos pensar de antemão que assim será. Portanto, nosso alvo, ao
estudar os Puritanos, deve ser aprender, observando como aplicaram a Palavra a
si mesmos, em sua época, para que saibamos como aplicá-la a nós mesmos, em nossa
época.
Esse ponto é
crucial para nós, que cremos que o evangelicalismo moderno precisa ser
corrigido e enriquecido mediante a mais antiga tradição evangélica. Parece que
o evangelicalismo moderno é culpado precisamente desse erro de viver no passado
— nesse caso, no passado recente, os fins do século XIX. Por muitas vezes,
contentamo-nos hoje em tentar viver bem por reapresentarmos a rala sopa de
doutrinas e as ideias algumas vezes duvidosas acerca de sua aplicação ética, eclesiástica
e evangelística, que caracterizaram aquele período decadente da história evangélica.
Mas a resposta a essa situação é, enfaticamente, que não devemos retroceder
ainda mais, procurando agora viver não mais no século XIX, mas no século XVII.
De vários modos, esse tipo de cura é pior do que a enfermidade. Por certo
devemos recuar até antes do século XIX, reabrindo as minas mais ricas do ensino
evangélico mais antigo; mas também devemos nos esforçar por avançar para além
da mentalidade do século XIX, chegando a uma genuína apreciação de nossa
situação no século XX, a fim de que possamos fazer uma aplicação genuinamente contemporânea
do evangelho eterno.
Esse princípio
é tão relevante, quando estudamos o assunto do dia do Senhor, como quando
estudamos qualquer outro assunto. Pois aqui, não há dúvida, temos um assunto
sobre o qual estamos muito defasados quanto a uma aplicação contemporânea dos
princípios bíblicos. Nossas ideias e nossa linguagem a respeito, com
frequência, deixam transparecer um certo grau de legalismo negativo de nossa
parte. Se impusermos a nós mesmos a aplicação rígida do quarto mandamento, que
os Puritanos elaboraram em termos de sua própria época, então meramente
estaríamos perpetuando e aumentando aquele legalismo. Não obstante, se
resistirmos à tentação de adotar essa aplicação pronta e nos atirarmos à tarefa
de reaplicar, de modo realista, a lei de Deus às nossas atuais condições, então
descobriremos na exposição dos Puritanos uma apresentação incomparavelmente
rica e sugestiva dos princípios positivos que nos devem guiar em nosso
julgamento sobre essa questão.
Antes de tudo,
porém, precisamos preencher o pano de fundo histórico de nosso estudo.[1]
Os Puritanos
criaram o domingo cristão inglês — ou seja, o conceito e a observância do
primeiro dia da semana como dia de trégua tanto nos negócios como nas
recreações organizadas, para que o tempo todo fosse deixado livre para a
adoração, o companheirismo e as "boas obras". Esse ideal nunca foi
aceito de modo geral pelos protestantes do continente europeu, conforme Baxter
observou: "A Inglaterra tem sido uma felizarda quanto a esse aspecto da
reforma".[2] A
história dessa realização Puritana prolonga-se por um século. Nos fins do
século XVI, era costume dos ingleses, depois de terminado o culto na igreja,
passar o resto do domingo "frequentando peças teatrais obscenas... jogos,
bebidas alcoólicas, festas e comemorações; ou então fumando cachimbo, dançando,
jogando dados, jogando baralho, boliche, tênis, açulando cães contra ursos
acorrentados, brigas de galo, falcoaria, caçadas, e coisas semelhantes; ou
então frequentando feiras e mercados... ou indo a partidas de futebol e outros
passatempos diabólicos".[3]
Os crentes sérios (os "Puritanos", no sentido popular) ficaram cada
vez mais preocupados com isso. O ponto de vista "Puritano" sobre o
assunto, que Dennison mostrou já ter sido firmado, em essência, pelos bispos
Hooper[4]
e Latimer[5]
pelo deão Edmund Bunny[6]
e Gervase Babington,[7] recebeu
sua primeira declaração formal, impressa, no livro do Dr. Nicholas Bound, True
Doctrine of the Sabbath (A Verdadeira Doutrina a Respeito do Dia do Senhor -
1595) — embora a primeira exposição sobre a mesma doutrina a ser escrita pareça
ter sido a obra de Richard Greenham, Treatise of the Sabbath (Tratado a
Respeito do Dia do Senhor), que circulou privativamente por alguns anos.
A Declaração de
Esportes, do rei Tiago I (1618), estabeleceu que, à parte dos esportes com
touros e ursos e do boliche, todos os jogos populares podiam ser efetuados aos
domingos, terminada a reunião na igreja. De fato, Tiago, por esse meio,
"meramente reiterou o que já era lei do Estado e da igreja desde os
primeiros dias da Reforma";[8]
mas aquela Declaração deixou consternado o grupo crescente de clérigos e leigos
Puritanos. Em 1633, Carlos I republicou-a e ordenou que os bispos determinassem
que todo o clero a lesse em seus púlpitos; alguns recusaram-se a fazê-lo e como
resultado perderam os seus rendimentos. Podemos ver através destas palavras de
Baxter, como transcorriam as coisas no país, naquela época:
Em minha
juventude... um dos inquilinos de meu pai era o flautista da cidade, e o lugar
das danças ficava a menos de cem metros de nossa porta; assim, no dia do
Senhor, não podíamos ler um capítulo da Bíblia, ou orar, ou entoar um hino, ou
catequizar, ou instruir um servo, senão com o barulho da flauta, do tamborim e
dos gritos que, da rua, chegavam continuamente aos nossos ouvidos; e... éramos
alvos das zombarias de todos, sendo apelidados de puritanos, rigoristas ou
hipócritas, porque preferíamos ler as Escrituras do que fazer o que eles
faziam... E quando o povo, de acordo com o livro [isto é, a Declaração de
1633], recebeu permissão de folgar e dançar, exceto no horário do culto
público, eles tinham tanta dificuldade em interromper suas diversões que, por
muitas vezes, o leitor preferia esperar até que a flauta e os folgazões
cessassem. Algumas vezes, os dançarinos folclóricos entravam nos templos, com todas
as suas roupas, cachecóis e vestimentas extravagantes, com folclóricas sinetas
sonindo, penduradas em suas pernas, e, assim que terminava a leitura da oração,
eles se precipitavam de novo para as suas danças. Seria isso uma conduta
celestial?[9]
Mas o ensino
dos Puritanos teve os seus efeitos. Como resultado da atuação de Baxter em
Kidderminster, aquela que antes havia sido uma comunidade de pessoas
briguentas, viciadas no álcool e irreligiosas, foi de tal modo transformada que
"no dia do Senhor não se via qualquer desordem em nossas ruas; pelo
contrário, podia-se ouvir uma centena de famílias entoando salmos ou repetindo
sermões, quando passávamos pelas ruas".[10]
Reforma similar
ocorreu em muitos lugares onde ministravam pastores Puritanos. O Parlamento e
seus sucessores, impulsionados por convicções Puritanas, decretaram uma série
de determinações proibindo jogos, negócios e viagens aos domingos. Finalmente,
em 1677, quando os Puritanos já tinham perdido a autoridade, um Parlamento
violentamente anti-puritano assinou o Ato de Observância do Domingo, o qual
reiterava e confirmava a legislação republicana (1649) sobre a questão. Esse
ato prescrevia que ninguém deveria passar o domingo negociando, viajando, "trabalhando
secularmente, em negócios ou ocupando-se em suas profissões", mas
"exercitando-se... nos deveres da piedade e da verdadeira religião,
pública e particular". A significação dessa legislação é clara. A Inglaterra
tinha chegado a aceitar, de modo generalizado, o ideal Puritano acerca do
domingo. Monarquistas e republicanos, conformistas e não-conformistas
igualmente concordavam nisso. O ensino dos mestres Puritanos havia criado uma
consciência nacional sobre o assunto; e isso apesar do fato que os teólogos da
época dos reis Carlos I e Carlos II haviam feito oposição constante ao ponto de
vista dos Puritanos, como algo teologicamente incorreto.
Contra esse
pano de fundo da história, voltamo-nos agora para o ensino propriamente dito
dos Puritanos.
1 - Significado
do Quarto Mandamento (Êx 20.8-11). Neste ponto, os Puritanos foram à frente dos
reformadores. Estes últimos tinham seguido Agostinho e, em geral, o ensino
medieval, negando que o domingo fosse, em qualquer sentido, um dia de descanso.
Eles afiançavam que o sábado, prescrito pelo quarto mandamento, era um
mandamento tipicamente judaico, prefigurando o "descanso" proveniente
do relacionamento com Cristo, pela graça e pela fé. Eis a explicação dada por
Calvino:
é extremamente
apta a analogia entre o sinal externo e a realidade simbolizada, visto que a
nossa santificação consiste na mortificação de nossa própria vontade... Devemos
desistir de todos os atos de nossa própria mente a fim de que, operando Deus em
nós, possamos descansar nEle, conforme ensina o apóstolo (Hb 3.13; 4.3,9).[11]
Mas, agora que
Cristo já veio, o tipo foi cancelado, e seria um erro perpetuá-lo, tal como
seria um equívoco continuar a oferecer os sacrifícios levíticos. Calvino
apelava aqui para Colossenses 2.16, que ele interpretava como alusão ao dia
semanal de descanso. Ele admitia que, além e acima de sua significação típica,
o quarto mandamento também ensina o princípio de que deve haver adoração
pública e particular, além de servir de dia de descanso para os servos e
empregados, pelo que a plena interpretação cristã seria tríplice:
Primeiro, por
toda a nossa vida podemos ter por alvo um constante descanso de nossas próprias
obras, a fim de que o Senhor possa operar em nós por meio do seu santo
Espírito; segundo, cada pessoa deveria exercitar-se, com diligência, em devota
meditação nas obras de Deus, e... todos devem observar a ordem legal
determinada pela igreja para que se ouça a Palavra, para que se administre as
ordenanças e a oração pública; terceiro, devemos evitar oprimir àqueles que nos
estiverem sujeitos.[12]
Calvino falava
como se isso fosse tudo quanto aquele mandamento prescrevesse, nada encontrando
no mesmo, em seu sentido cristão, que proibisse trabalho ou diversão no
domingo, após o tempo passado na igreja. A maior parte dos reformadores falava
no mesmo tom. O que há de notável é que suas declarações, em outros contextos,
mostram que "os reformadores, como um grupo, defendiam a autoridade divina
e a obrigação de observar o quarto mandamento, requerendo que um dia em cada
sete fosse empregado na adoração e serviço de Deus, admitindo somente as obras
de necessidade e de misericórdia, em favor dos pobres e aflitos".[13]
É um quebra-cabeça, porém, porque eles nunca perceberam a incoerência entre
afirmar isso em termos gerais, e ainda assim apresentar a exegese de Agostinho
sobre o domingo cristão. Podemos apenas supor que isso se deve ao fato que não
queriam entreter a ideia que Agostinho poderia estar enganado, razão que os
cegava para o fato que estavam montando dois cavalos ao mesmo tempo.
Eles, contudo,
corrigiram essa incoerência. De forma virtualmente unânime, insistiram que,
embora os reformadores estivessem certos ao verem apenas um sentido típico e
temporário em algumas das detalhadas prescrições do sábado judaico, havia o
princípio de um dia de descanso, para efeito de adoração a Deus, pública e
particular, após cada seis dias de trabalho, como uma lei da criação,
estabelecida em benefício do homem, e, portanto, obrigatória para o homem
enquanto ele viver neste mundo. Também destacavam que, figurando entre nove
leis indubitavelmente morais e permanentes do decálogo, o quarto mandamento
dificilmente teria uma natureza apenas típica e temporária.
De fato, eles
viam esse mandamento como parte integral da primeira tábua da lei, que aborda
sistematicamente a questão da adoração: "O primeiro mandamento fixa o
objeto; o segundo, o meio; o terceiro, a maneira; e o quarto, o tempo" .[14]
Também observaram que o quarto mandamento começa com as palavras
"Lembra-te...", e isso nos faz olhar para trás, para antes da
instituição mosaica. Observavam que o trecho de Gênesis 2.1 e seguintes representa
o sétimo dia de descanso como o próprio descanso de Deus após a criação, e que
a sanção atrelada ao quarto mandamento, em Êxodo 20.8 ss., olha de volta para
aquele fato, retratando o dia como um memorial semanal da criação, "para
ser observado para a glória do Criador, como o dever que temos de servi-Lo e
como um encorajamento para confiarmos nAquele que criou os céus e a terra. Por
meio da santificação do sábado, os judeus declaravam que eles adoravam ao Deus
que criou a terra..." Assim falou Matthew Henry, aquele que posteriormente
representou todos os Puritanos, ao comentar sobre Êxodo 20.11. Henry também
frisou que o mandamento afirma que Deus santificou o sétimo dia (ou seja,
apropriou-o para Si mesmo) e o abençoou (isto é, derramou bênçãos sobre ele,
encorajando- nos a esperar bênçãos, ao guardarmos de forma religiosa aquele
dia"); e que Cristo, embora tivesse reinterpretado a lei sobre o sábado,
não a cancelou, mas antes, firmou-a, observando-a Ele mesmo e mostrando que
esperava que os seus discípulos continuassem a observá-la (cf. Mt 24.20).
Tudo isso,
argumentavam os Puritanos, mostrava que o descanso do sétimo dia era mais que
um mandamento judaico; era um memorial da criação, parte da lei moral (a
primeira tábua, que prescreve a adoração apropriada ao Criador), e, como tal,
era perpetuamente obrigatória para todos os homens. Assim, quando o Novo
Testamento nos diz que os cristãos se reuniam para adorar no primeiro dia da
semana (At 20.7; 1 Co 16.2), guardando aquele dia como "o dia do
Senhor" (Ap 1.10), isso só pode significar uma coisa: por preceito
apostólico, e, provavelmente, por injunção dominical durante os quarenta dias
antes da ascensão, esse tornara-se o dia em que os homens, doravante, deveriam guardar
o dia de descanso prescrito pelo quarto mandamento. Os Puritanos notaram que
essa mudança, do sétimo dia da semana (o dia que assinalara o fim da antiga
criação) para o primeiro (o dia da ressurreição de Cristo, que assinalara o
início da nova criação), não era excluída pelas palavras do quarto mandamento,
que "meramente determina que devemos descansar e guardar, como descanso,
cada sétimo dia ...mas ...de modo algum determina onde deve começar a sequência
de dias... Não há, no quarto mandamento, qualquer orientação sobre como
computar o tempo..." [15]Portanto,
coisa alguma impede-nos de supor que o Novo Testamento parece requerer que
foram os apóstolos que fizeram a alteração. Nesse caso, torna-se claro que a
condenação (em Cl 2.16) do sabatismo judaico nada tem a ver com a observância
do dia do Senhor. Essas, em esboço, foram as considerações feitas pelos
Puritanos, com base na doutrina do dia do Senhor, a qual é bem sintetizada na Confissão
de Westminster (XXI:vii-viii).
2 - O caráter do quarto mandamento. Comentando
sobre Marcos 2.27, escreveu Matthew Henry:
o dia de
descanso é uma sagrada e divina instituição; mas devemos recebê-lo e adotá-lo
como um privilégio e um benefício, não como uma tarefa ou uma carga enfadonha.
Primeiro, Deus nunca planejou que o dia de descanso fosse uma imposição para
nós, por isso não devemos transformá-lo em uma imposição... Segundo, Deus
planejou-o para que fosse uma vantagem para nós, por isso devemos recebê-lo e aprimorá-lo...
Ele teve consideração pelos nossos corpos, nessa instituição, para que possamos
descansar... Ele teve muito mais consideração pelas nossas almas. Ele foi
instituído como o dia de descanso, somente a fim de ser um dia de atividade
santa, um dia de comunhão com Deus, um dia de louvor e ação de graças; assim, o
descanso, depois de atividades seculares, é uma necessidade, a fim de podermos
nos dedicar ao louvor e à ação de graças, passando todo o tempo nessas
atividades, pública e particularmente... Vê-se aqui quão bom é o Senhor a quem
servimos, porquanto a Ele pertencem todas essas instituições que visam ao nosso
benefício...
Essa citação
resume com clareza a abordagem Puritana quanto ao dia do Senhor. Queremos aqui
meramente sublinhar três dos pontos destacados por Matthew Henry, adicionando
um quarto ponto, como resultado.
(a) Guardar o
domingo significa ação, e não inércia. O dia do Senhor não é um dia de
ociosidade. "A ociosidade é um pecado em qualquer dia, e muito mais no dia
do Senhor".[16] Não
se guarda o domingo ficando atirado em algum lugar, sem fazer nada. Convém que
descansemos das atividades de nossos afazeres diários, ocupando-nos nas
atividades próprias à nossa vocação celestial. Se não passarmos o dia ocupados
nestas atividades, não o estaremos santificando.
(b) Guardar o
domingo não é uma carga entediante, mas um jubiloso privilégio. O domingo não é
um jejum, mas uma festa, um dia de regozijo nas obras do Deus gracioso, e a
alegria deve ser a nossa atitude durante todo esse dia (cf. Is 58.13). "A
alegria nunca é tão própria a alguém como a um santo, tornando-se o domingo
tanto um feriado quanto um descanso".[17]
É dever e
glória do crente regozijar-se no Senhor a cada dia, especialmente no dia do
Senhor... Jejuar no dia do Senhor, dizia Inácio, é matar a Cristo; mas
regozijar-se no Senhor nesse dia, e regozijar-se em todos os deveres do dia...
isso é coroar a Cristo, isso é exaltar a Cristo.[18]
A alegria deve ser a tônica da adoração
pública; Baxter, em particular, deplorava os cultos insípidos e monótonos. Não
deveria haver tristeza no dia do Senhor. E aqueles que dizem que não podem
achar alegria nos exercícios espirituais do domingo mostram que há algo gravemente
errado consigo.
(c) Guardar o
domingo não é um labor inútil; é um meio de graça.
Por meio dessa
instituição, Deus encarregou-nos de separar esse dia para uma busca especial
por sua graça e bênção. E daí podemos argumentar que Ele, de forma especial,
confere a sua graça sobre aqueles que O buscam... O domingo é um tempo
oportuno, um dia de salvação, um período durante o qual Deus, em especial,
aprecia ser buscado, amado e encontrado...[19]
Assim manifestou-se Edwards, e Swinnock
mostrou-se lírico ao elogiar a graça do domingo:
Salve tu que és
altamente favorecido por Deus; tu, pote de ouro da semana; tu, dia de feira da
alma; tu, romper do dia de eterno resplendor; tu, rei dos dias; o Senhor seja
contigo, bendito és entre os dias... Oh! como homens e mulheres esvoaçam para
cima e para baixo nos dias de semana, como a pomba faz por sobre as águas, mas
não podem achar descanso para as suas almas, até chegarem a ti, que és a sua
arca, até estenderes a mão e recolhê-los para dentro! Oh! como se assentam à tua
sombra com grande deleite e acham teus frutos doces ao seu paladar! Oh! a mente
a alçar-se, o coração a encantar-se de felicidade, a consolação da alma, que em
ti eles desfrutam no bendito Salvador!"[20]
(d) Não guardar
o domingo atrai o castigo, o que também sucede ao abuso contra qualquer
privilégio e meio de graça dados por Deus. Declínio espiritual e perda material
têm sido colhidos por pessoas e comunidades, por causa desse pecado. Os
excelentes dons de Deus não podem ser desprezados sem impunidade. Thomas Fuller
pensava que a Guerra Civil (e Brooks, sobre o incêndio de Londres) viera como
juízo divino sobre a nação, por estar negligenciando o domingo.
O caráter
evangélico e admiravelmente positivo dessa abordagem quanto ao dia do Senhor
dificilmente poderá ser melhorado.
3 - Princípios
práticos quanto à observância do dia do Senhor. Os Puritanos eram homens
metódicos, levando em conta todos os pormenores; e achamo-los a dar uma
detalhada atenção a esse aspecto de nosso assunto. Quatro princípios, em
particular, precisam ser considerados aqui.
(a) Devem ser
feitos preparativos para o dia do Senhor. Primeiramente, os Puritanos
recomendavam, devemos perceber a importância do dia do Senhor, aprendendo a
dar-lhe o devido valor. Esse é um grande dia para a igreja e para o crente:
"Um dia de feira para a alma," um dia de entrar nos próprios
"subúrbios do céu", com orações e louvores coletivos. Logo, nunca
devemos permitir que os nossos domingos tornem-se rotineiros; com tal atitude,
logo os reduziremos a uma formalidade enfadonha. Todo domingo tem por desígnio
ser um grande dia, e deveríamos nos aproximar dele com atitude de expectação,
na plena consciência do fato. Portanto, cumpre-nos planejar nossa semana, para
que possamos tirar o máximo proveito de nosso domingo. A falta de providência e
o acaso eliminam nosso proveito aqui, tal como o fariam em qualquer outro
empreendimento.
Aquele cuidado
que vemos nos homens naturais acerca de seus corpos, devemos aprender acerca de
nossas almas; eles planejam e providenciam de antemão o que haverão de
comprar... e vender... assim, se quisermos fazer bons negócios em favor de
nossas almas, teremos [durante toda a semana anterior] de ir preparando nossos
corações... para que então não nos reste preocupação nem com o pecado e nem com
os cuidados deste mundo... Compete-nos... eliminar todas as distrações e empecilhos,
elevando nossos corações contra a indiferença e o enfado... se quisermos passar
o dia do Senhor na obra do Senhor, de uma maneira confortável e proveitosa.[21]
Preparar o
coração reveste-se da maior importância possível, pois o dia do Senhor é, acima
de tudo, um "dia de trabalho do coração".[22]
Desse ângulo, a batalha pelo nosso domingo é ganha ou perdida na noite anterior,
no sábado, quando devemos separar algum tempo para o auto-exame, a confissão e
a oração em favor do dia seguinte. A confraternização dos jovens, dirigida por
Richard Baxter, costumava usar três horas, cada sábado à noite, para se
prepararem para o dia do Senhor. Swinnock garantiu: "Se quiseres deixar
teu coração com Deus, no sábado à noite, então poderás achá-lo com Ele, na
manhã do dia do Senhor".[23]
A regra final para essa preparação veio de Richard Baxter, que possuía uma mente
prática por excelência: "Recolhe-te ao leito ainda cedo, para que não
estejas sonolento no dia do Senhor".[24]
(b) A adoração
pública deve ter o lugar central no dia do Senhor. O dia deve girar em torno da
adoração pública, pela manhã, à tarde e à noite ("os cultos públicos devem
ocorrer pelo menos duas vezes a cada domingo"[25]).
As devoções particulares devem ocupar o segundo lugar, se tivermos de escolher
entre o culto público e a devoção particular. Mas devemos levantar-nos na manhã
do domingo com tempo suficiente para prepararmos o coração, a fim de louvar,
orar e ouvir a pregação da Palavra de Deus, pois "se chegarmos
abruptamente na casa do Senhor, depois de termos brigado ou discutido, ou assim
que sairmos da cama... a Palavra será cansativa e servirá somente para
endurecer ainda mais os nossos corações".[26]
Os cultos dirigidos pelos Puritanos
prolongavam-se por cerca de três horas; e os Puritanos pouco simpatizavam com
aqueles que se queixavam de quão longas eram as suas reuniões. O comentário de
Baxter foi que aqueles que pensavam que os cultos nas igrejas são entediantes, e,
contudo, podiam passar muito mais tempo em algum bar ou entretenimento, sem se
enfadarem, devem ter corações maus; Baxter aproveitou a oportunidade para dizer
uma oportuna palavra aos pregadores, sugerindo-lhes
uma maneira
mais honesta de curar o cansaço das pessoas. Prega com vida e despertamento
sério... e com um método fácil e variedade de assunto atrativo, para que as
pessoas nunca se cansem de ti. Derrama abundantemente o amor e os benefícios de
Deus; abre diante das pessoas os privilégios da fé, as alegrias da esperança, a
fim de que nunca fiquem iradas. Quantas vezes tenho ouvido as pessoas dizerem
sobre tais pregadores: Eu poderia ouvi-lo o dia inteiro e nunca me cansaria!
Elas ficam perturbadas com a brevidade dos sermões, desejando que fossem mais
longos...[27]
(c) A família
deve funcionar como uma unidade religiosa no dia do Senhor. O Catecismo Maior de Westminster, em sua
pergunta 118, é enfático a esse respeito: "O mandamento de guardar o dia
do Senhor (domingo) é especialmente dirigido aos chefes de família e a outros superiores,
porque estes são obrigados, não somente a guardá-lo por si mesmos, mas a fazer
que seja observado por todos os que estão sob o seu cuidado". Um chefe de
família deve dirigir as orações domésticas, levar a família à igreja, examinar
e ensinar a Bíblia às crianças e aos empregados depois do culto,
certificando-se que realmente absorveram o sermão ouvido. O princípio envolvido
neste ponto é que o chefe da família tem a inalienável responsabilidade de
cuidar das almas dos de sua casa, e que é supremamente no dia do Senhor que ele
deve exercer tal responsabilidade. Os pastores Puritanos, distinguindo-se dos modernos
pastores evangélicos, não planejavam atingir os homens através das mulheres e
das crianças, mas faziam exatamente o contrário. Não eram eles, talvez, mais
sábios, e também mais bíblicos?
(d) Devem ser
evitadas as armadilhas do legalismo e do farisaísmo, no tocante ao dia do
Senhor. Essas atitudes erradas são ameaçadoras nesse campo, como em todos os
demais aspectos da vida espiritual. Não havia desacordos entre os Puritanos
que, conforme a pergunta 60 do Breve
Catecismo de Westminster, afirmavam:
O domingo deve
ser santificado como um santo descanso o dia inteiro, incluindo atividades e
recreações que são legítimas em outros dias; o crente deve passar todo o tempo
nos exercícios públicos e particulares da adoração a Deus, excetuando aquilo
que deve ser dedicado às obras necessárias e de misericórdia.
Contudo,
existem maneiras certas e erradas de atingirmos os alvos, e o mais esperto de
todos os mestres esforçou-se para advertir que tanto o legalismo (o hábito
negativo que frisa o que a pessoa não deve fazer no dia do Senhor, sem dizer
mais nada) quanto o farisaísmo (o hábito auto-justificador que está sempre
disposto a censurar outras pessoas, por lapsos reais ou imaginários quanto a
essa questão) são, ambos, violações do espírito do evangelho. Baxter, como já
seria de esperar, é quem mais tem a dizer sobre essas atitudes,
contrabalançando-as com um construtivo princípio evangélico de julgamento:
Primeiramente
considerarei os deveres positivos de um homem no dia do Senhor — como ouve, lê,
ora e passa o seu tempo, e como instrui e ajuda os seus familiares. Se busca a
Deus com diligência e efetua seus deveres espirituais, então serei mal-educado
ao julgá-lo por causa de alguma palavra ou ato, sobre coisas terrenas corriqueiras...[28]
Aqui, por
certo, vemos a sabedoria cristã.
As citações
acima falam por si mesmas, não havendo necessidade de maiores comentários. As
questões sobre bem-estar espiritual, que elas suscitaram, devem ser deixadas
para cada leitor considerar por si mesmo. Encerramos com um testemunho e uma
admoestação.
O testemunhho é
aquele do juiz do Supremo Tribunal inglês, Sir Matthew Hale:
“Através de uma
estrita e diligente observação, tenho descoberto que a devida observância dos
deveres do dia do Senhor sempre é acompanhada por uma bênção sobre o resto de
meu tempo, e que a semana assim iniciada tem sido abençoada e próspera para
mim; por outro lado, quando me mostro negligente acerca dos deveres desse dia,
o restante da semana tem sido um fracasso e tenho sido infeliz em minhas
atividades seculares. Escrevo isso não de forma leviana e impensada, mas depois
de longa e sã observação e experiência."[29]
A admoestação é
aquela de Thomas Brooks:
Para terminar,
lembremo-nos que não há crentes, em todo o mundo, que se comparem, quanto ao
poder da piedade e quanto à excelência nos terrenos da graça, da santidade e da
comunhão com Deus, como aqueles que se mostram mais estritos, sérios,
estudiosos e meticulosos na santificação do dia do Senhor... A verdadeira razão
pela qual o poder da piedade tem caído a níveis tão baixos, tanto neste como em
outros países, é que o domingo não está mais sendo observado de forma estrita e
consciente... Oh! que esses simples conselhos fossem tão abençoados pelo céu
que nos impulsionassem a uma santificação mais constante, séria e meticulosa do
dia do Senhor...[30]
[1] Ver especialmente
W.B.Whitaker, Sunday in Tudor and Stuart
Times (Houghton Publishing Co, Londres, 1933), e James T.Dennison, Jr., The Market Day of the Soul: The Puritan
Doutrine of the Sabbath in England, 1532-1700 (University Press of America,
Lanham, 1983).
[2] Richard Baxter, Works, II:906 (George Virtue, Londres,
1838).
[3] Philip Stubbes, Anatomie of Abuses in England (1583).
[4] Early Writings of John Hooper (Parker
Society, Cambridge, 1843), p. 342: "O domingo, que nós guardamos, não é um
mandamento dos homens... mas, por intermédio de palavras claras, é ordenado que
guardemos este dia como o nosso sábado, tal como nos declaram as palavras do
apóstolo Paulo (1 Co 16...)".
[5] Sermons by Hugh Latimer (Parker Society,
Cambridge, 1844), pp. 471- 473: "Este dia foi designado por Deus para que
ouçamos a sua Palavra, aprendamos as leis e, consequentemente, o sirvamos...
Deus odeia a rejeição do seu dia, tanto agora como antes (na época do Velho
Testamento)... Ele quer que guardemos o seu dia, tanto agora como
antes..."
[6] Edmund
Bunny, The Whole Summe of Christian
Religion (1576), p. 47: "O quarto mandamento requer que o crente gaste
todo o seu dia de descanso ou nos exercícios públicos, ou nos exercícios
ordinários, na leitura de sermões, ou na meditação particular".
[7] Gervase
Babington, A Very Fruitfull Exposition of
the Commandments (1583): "Uma das principais asseverações a respeito
daquilo que a história conhece como a doutrina Puritana do dia de descanso... O
mandamento do sábado está perpetuamente ligado a todos os homens. Santificar o
dia de descanso: 1) descansar de todos os labores; 2) reunir-se para a
adoração; 3) descansar do pecado..." (Dennison, op cit, p. 29).
[8] Whitaker, op cit, p. 95.
[9] Baxter, Works, III:904, citado de The
Divine Appointment of the Lord's Day, Proved
(1671).
[10] Reliquiae Baxterianae, editado por M.Sylvester
(Londres, 1696), primeira paginação, p. 84.
[11] John Calvin, Institutes of the Christian Religion, II:viii:29.
[12] ibid, II:viii:34.
[13] Patrick Fairbairn, The Typology of Scripture (Smith and
English, Filadélfia, 1854), II:142; ver Apêndice A, pp. 514, 515, quanto à
evidência.
[14] Jonathan
Edwards, sermão II, a respeito da "Perpetuidade e Mudança do Sábado",
uma primorosa afirmação do ponto de vista Puritano; em Works, editado por Henry Hickman (Banner of Truth, Edimburgo,
1974), II:95. A posição definitiva encontra-se na Westminster Confession XXI:vii: "Visto ser lei da natureza
que, em geral, uma devida proporção do tempo seja separada para a adoração a
Deus; assim, em sua Palavra, por meio de um mandamento positivo, moral e
perpétuo, que obriga todos os homens, em todas as épocas, Ele designou
particularmente um dia em sete a fim de ser um dia de descanso, para ser
santificado a Ele. Este dia, desde a criação do mundo até a ressurreição de
Cristo, foi o último dia da semana; e, desde a ressurreição de Cristo, foi
mudado para o primeiro dia da semana, que, nas Escrituras, é chamado o dia do
Senhor e continuará, até o fim do mundo, como o sábado cristão".
[15] ibid, II:96.
[16] John Dod e Robert Cleaver, A Plaine and Familiar Exposition of the Ten Commandments
(Londres, 1628), p. 143.
[17] "George Swinnock, Works (James Nichol, Edimburgo, 1868),
1:239.
[18] Thomas Brooks, Works, VI:299 (James Nichol, Edimburgo,
1867).
[19] Edwards, Works, II:102.
[20] Swinnock, Works, I.
[21] Dod e Cleaver, op cit, pp. 138, 139.
[22] Baxter, Works, I:470.
[23] Swinnock, Works, I:230.
[24] Baxter, Works, I:472.
[25] Richard Greenham, Works (edição de 1611), p. 208.
[26] Dod e Cleaver, op cit, p. 145.
[27] Baxter, Works, III:905.
[28] ibid, III:908.
[29] Works of Sir Matthew Hale, editado por T.Thirlwell
(1805), I:196.
[30] Brooks, Works, VI:305, 306.
Fonte: Capítulo 14 do livro "Entre os Gigantes de Deus", Editora Fiel
2 comments:
Obrigado pelo texto! Esclarecedor e norteador!
Excelente! Muito obrigado!
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