Vejam
como a teologia é dinâmica! Com o passar do tempo novas perguntas surgem e
perguntas antigas são feitas de formas diferentes. Para todas as respostas, a
Bíblia deve continuar sendo a nossa única regra de fé e de prática. Uma
pergunta que atualmente tem dividido teólogos ao redor do mundo é a seguinte:
Considerando o atual estado de distanciamento social por causa do novo
Coronavírus e a possibilidade de fazermos reuniões virtuais, é correto
ministrar a Ceia do Senhor online? Esse pequeno artigo visa a contribuir para a
discussão apresentando alguns aspectos exegéticos do texto de 1 Coríntios 10 e
11.
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1) O verbo grego συνέρχομαι (synércomai).
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O
verbo grego συνέρχομαι (synércomai) é muito importante no texto clássico
da Ceia do Senhor, 1 Coríntios 11.17-34, pois ele aparece 5 vezes, nos
versículos 17, 18, 20, 33 e 34. O verbo significa “reunir-se com outros como um
grupo, ajuntar, agregar” (BDAG). A palavra é formada pela preposição syn,
que significa “com” e pelo verbo ércomai, que significa “ir, vir”.
É por isso, que a palavra também tem outros significados tais como “vir ou ir
junto com uma ou mais pessoas, viajar junto com alguém” e “unir-se em
relacionamento íntimo, ajuntar-se em um contexto sexual” (BDAG). Vejamos as
ocorrências do verbo no texto em português:
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17 Nisto,
porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não
para melhor, e sim para pior.
18 Porque,
antes de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na
igreja; e eu, em parte, o creio.
20 Quando,
pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que
comeis.
33 Assim,
pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns
pelos outros.
34 Se
alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para
juízo. Quanto às demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco.
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Note
que o uso do verbo acontece no começo do texto (v. 17, 18 e 20) e no final (v.
33 e 34), formando assim uma moldura que “abraça” todo o texto e destacando por
meio da estrutura a importância do conceito.[1] Note
que, além do uso do verbo no versículo 18, Paulo qualifica essa reunião como
sendo uma reunião “na igreja” (συνερχομένων ὑμῶν ἐν ἐκκλησίᾳ). Os irmãos
coríntios se reuniam em casas, nas casas das pessoas mais abastadas da
comunidade, ainda assim, quando eles estavam reunidos, era ali que estava
presente a igreja. No versículo 20, Paulo qualifica a reunião como sendo “no
mesmo lugar” (Συνερχομένων οὖν ὑμῶν ἐπὶ τὸ αὐτὸ), novamente
enfatizando a ideia que o verbo já deixava clara.
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2) O problema enfrentado pelos Coríntios na ceia
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O
grande problema do qual Paulo está tratando ao escrever esse trecho é que os
Coríntios haviam transformado a Santa Ceia em um momento de divisão em vez de
comunhão. Paulo diz que eles estavam se ajuntando “não para melhor, e sim para
pior”. A NVI interpreta corretamente essa expressão de Paulo dizendo “as
reuniões de vocês mais fazem mal do que bem”. O problema é que havia divisões
(σχίσματα, skísmata) entre os coríntios quando comiam a ceia (v.
18). Durante a ceia eles se dividiam em partidos, facções (αἱρέσεις, hairésseis).
Paulo torna o problema totalmente explícito no versículo 21: “Porque, ao
comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha
fome, ao passo que há também quem se embriague”. Na época do Novo Testamento, a
Santa a Ceia era uma refeição mesmo. Aparentemente, as próprias pessoas levavam
a comida para compartilharem. O que parece acontecer em Corinto é que as
pessoas não compartilhavam o que haviam levado (cada um toma a sua própria
ceia, (ἕκαστος γὰρ τὸ ἴδιον δεῖπνον προλαμβάνει ἐν τῷ φαγεῖν). O
momento havia deixado de ser a Ceia “do Senhor” (v. 20) para ser a ceia própria
“de cada um” (v. 21). Essa divisão fica clara também no fato de que eles faziam
isso com uma pressa enorme, cada um tomava a sua própria ceia “antecipadamente”
(προλαμβάνει). Ou seja, em vez de esperarem uns pelos outros, aqueles que
tinham mais condições financeiras parece que começavam a refeição antes dos
mais pobres chegarem.
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O
triste resultado é que na festa máxima da comunhão da igreja, as pessoas de
melhor condição financeira ficavam empanturradas e bêbadas e aqueles que
condição social mais baixa passavam fome! Dessa forma, a igreja era desprezada
e aqueles que nada tinham (τοὺς μὴ ἔχοντας), ou seja, os pobres, eram
envergonhados. Esse tipo de desprezo da comunhão e da unidade da igreja no
momento da ceia estava causando o enfraquecimento e até mesmo a morte de alguns
membros da igreja coríntia (v. 30).
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Qual
é a solução proposta pelo apóstolo? A solução de Paulo no final do texto (v. 33
e 34) é que os coríntios esperassem uns pelos outros (ἀλλήλους ἐκδέχεσθε) e
matassem a fome em suas próprias casas (ἐν οἴκῳ ἐσθιέτω) a fim de não se reunirem
para juízo.
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3) O Significado da Santa Ceia em 1 Coríntios 10
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Não
é só em 1 Coríntios 11.17-34 que Paulo fala sobre a Santa Ceia, mas em 1
Coríntios 10 o apóstolo também ensina sobre esse maravilhoso sacramento. Em 1
Coríntios 8 a 10, Paulo está ensinando sobre se o cristão pode ou não comer
comida sacrificada a ídolos. Nesse contexto, Paulo fala sobre o antigo Israel e
diz que eles foram batizados no mar (1Co 10.1-2) e eles também tomaram uma
espécie de Santa Ceia (1Co 10.3-4). No entanto, isso não os impediu de serem
mortos e espalhados pelo deserto por se envolverem com idolatria e festas
pagãs.
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Quando
Paulo vai aplicar os exemplos do antigo Israel (1Co 10.1-13) para a igreja (1Co
10.14-22), ele foca totalmente na Santa Ceia e no absurdo de alguém que
participa da comunhão do pão e do cálice querer participar também de festas
pagãs com comidas dedicadas a ídolos. O versículo central da argumentação de
Paulo é 1Co 10.16: “Porventura, o cálice da bênção [τὸ ποτήριον τῆς εὐλογίας]
que abençoamos [ὃ εὐλογοῦμεν] não é a comunhão [κοινωνία] do sangue de Cristo?
O pão que partimos não é a comunhão [κοινωνία] do corpo de Cristo?”
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O apóstolo está argumentando que
quando participamos da Ceia do Senhor, nós estamos de alguma forma, nos
tornando ainda mais participantes do corpo e do sangue de Cristo, ou seja, eles
estão se tornando comuns a nós, são-nos comunicados espiritualmente. Na Santa
Ceia existe uma transação espiritual acontecendo. O celebrante abençoa os
elementos e esses elementos levam a bênção para o povo de Deus e essa bênção
diz respeito a uma participação maior no sangue e no corpo de Jesus Cristo e os
benefícios que estes nos trazem.
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Em todo esse trecho (1Co 10), Paulo
se refere aos elementos da Santa Ceia e suas referentes no singular: “comeram
um só manjar espiritual” (1Co 10.3), “bebiam da mesma fonte espiritual” (1Co
10.4), “bebiam de uma pedra espiritual” (1Co 10.4); “o cálice da bênção que
abençoamos” (1Co 10.16); “o pão que partimos” (1Co 10.16), “um pão, um só
corpo… único pão” (1Co 10.17); “o cálice do Senhor” (1Co 10.21) e “a mesa do
Senhor” (1Co 10.21).
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Por meio dos conceitos de bênção (eulogia),
comunhão (comunalidade, koinōnia) e insistente singular nos
elementos, Paulo está deixando claro que o significado profundo e sobrenatural
da Santa Ceia diz respeito a uma comunhão e unidade que os cristãos têm com
Cristo e consequentemente entre si.
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4) O Significado da
Santa Ceia em 1 Coríntios 11
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O capítulo 11 de 1 Coríntios mostra
uma riqueza imensa no que concerne aos significados e aplicações práticas da
Santa Ceia. O texto fala da Ceia como um momento de obediência (1Co 11.23-25),
unidade cristã (1Co 11.23-25), rememoração do sacrifício vicário de Cristo (1Co
11.23-25), proclamação da morte substitutiva do Senhor (1Co 11.26), esperança
da parousia (volta) de Jesus (1Co 11.26) e autoexame (1Co
11.28). Explorar cada um desses significados extrapolaria os nossos objetivos
nesse artigo, então focaremos naquele que mais diz respeito ao nosso assunto.
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O que Paulo quer dizer pelas
expressões “comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente”;
“Examine-se, pois, o homem a si mesmo” e por “quem come e bebe sem discernir o
corpo”. É evidente no texto que essas expressões estão inter-relacionadas.
Devemos examinar a nós mesmos para não comermos sem discernir o corpo, o que
seria sinônimo de comer e beber indignamente. Fazê-lo, atrai juízo. Mas, o que é
isso?
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Considerando o que vimos nos pontos 1
e 2 desse artigo, comer indignamente, ou seja, sem discernir o corpo é comer de
tal forma a desprezar a unidade do corpo de Cristo. Os coríntios comiam de
forma indigna quando desprezavam a unidade e comunhão do corpo de Cristo na
hora da ceia, fazendo com que a igreja se dividisse em partidos por questões
socioeconômicas. O autoexame recomendado por Paulo, dessa forma, não diz
respeito a um exame pessoal a respeito dos mais diversos pecados que porventura
o participante tenha cometido, mas é uma ordem para avaliar se em nossa maneira
de agir temos desprezado a comunhão e unidade que devem caracterizar o Corpo de
Cristo, ou seja, a Igreja.
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Apontamentos Finais
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O principal assunto da Santa Ceia,
conforme apresentada por Paulo em 1 Coríntios, diz respeito à união do Corpo de
Cristo. Vimos que essa união dizia respeito (1) ao ajuntamento; (2) a lutarem
contra divisões humanas, (3) à comunhão de todos com o único pão que é Cristo e
(4) ao dever de se examinar se estamos sendo dignos do corpo de Cristo (igreja)
ao comermos.
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- Essa análise, mostra que devemos pensar criticamente a respeito da
maneira habitual da ceia em nossas igrejas: cada crente com um pequeno
cálice e um pequeno pão, previamente preparados, examinando os seus
próprios pecados de maneira individual. À luz do nosso texto, seria esta é
a melhor maneira de celebrarmos esse sacramento cheio de significado e
realidade sobrenatural? Ou será que a nossa maneira habitual já não é
individualista demais?
. - Em uma possível “Ceia virtual” não estaríamos reunidos (em
assembleia e no mesmo lugar), os aspectos da unidade ficariam esfacelados
à medida em que não estaríamos comendo de um mesmo pão e bebendo de um
mesmo cálice; a noção de corpo de Cristo estaria prejudicada por causa da
distância física.
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Assim, à luz de tudo o que vimos,
parece-nos, também, que uma celebração da Santa Ceia na qual cada cristão está
em sua própria casa, prepara o seu próprio pão e come e bebe enquanto participa
do “culto on-line” não faz justiça a toda a riqueza de significado que Paulo
atribui à ceia, nem as instruções práticas transmitidas por Jesus para o
apóstolo.
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