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January 22, 2016

Os Puritanos e o Dia do Senhor - J.I. Packer


S
e tivermos de aproveitar dos escritos dos Puritanos sobre esse ou sobre qualquer outro assunto, nossa abordagem de estudo precisa ser correta. É muito fácil que os admiradores dos Puritanos estudem suas obras de um modo que os Puritanos seriam os primeiros a condenar. Assim, podemos ter uma atitude errada para com os homens; podemos reverenciá-los como se fossem autoridades infalíveis; mas eles nos açoitariam por tão grosseiro lapso, o qual considerariam como papismo ou idolatria. Eles nos lembrariam que não passavam de servos e expositores da Palavra de Deus, e também nos incumbiriam de jamais considerar seus escritos como se fossem mais que ajudas e guias para entendermos a Palavra. Nos assegurariam que, visto que todos os homens, incluindo os Puritanos, podem errar, sempre devemos testar o ensino deles com o máximo rigor, por meio da própria Palavra que eles buscavam expor. Ou, novamente, podemos fazer uma aplicação errônea de seus ensinos. Podemos imitar a linguagem deles e copiar suas maneiras, imaginando que, desse modo, nos estamos pondo dentro da verdadeira tradição Puritana. Mas os Puritanos procurariam impressionar-nos quanto ao fato que, se assim agíssemos, estaríamos falhando precisamente nisso. Eles procuravam aplicar as eternas verdades da Bíblia às circunstâncias particulares de sua própria época — morais, sociais, políticas, eclesiásticas e assim por diante.

Se quisermos nos manter na verdadeira tradição Puritana, então teremos de cuidar em aplicar essas mesmas verdades às diferentes circunstâncias de nossos próprios dias. A natureza humana não se modifica, mas os tempos, sim; portanto, embora a aplicação da verdade divina à vida humana sempre seja a mesma em princípio, os seus detalhes variam de uma época para outra. Contentar-nos em imitar os Puritanos significaria um retrocesso mental do século XX, onde Deus nos colocou, até ao século XVII, onde não estamos. Isso tanto é falta de espiritualidade quanto não é realista. O Espírito Santo, acima de tudo, é realista, e Ele foi dado para ensinar os crentes como devem viver para Deus, na situação em que se encontram, e não em alguma outra situação onde outros santos viveram. Abafamos o Espírito quando nos permitimos viver no passado. Tal atitude mental é teologicamente culpável, pois mostra que teremos evitado um estágio essencial em nossa maneira de pensar sobre a verdade de Deus — o estágio que consiste em aplicá-la a nós mesmos. A aplicação jamais deve ser feita em segunda mão, como um produto já acabado; antes, cada homem, de cada geração, deve pôr em ação a sua consciência a fim de discernir, por si mesmo, como a verdade se aplica e o que ela requer, na situação particular onde ele se acha. A aplicação pode ser similar quanto aos detalhes, de uma geração para outra, mas não devemos pensar de antemão que assim será. Portanto, nosso alvo, ao estudar os Puritanos, deve ser aprender, observando como aplicaram a Palavra a si mesmos, em sua época, para que saibamos como aplicá-la a nós mesmos, em nossa época.

Esse ponto é crucial para nós, que cremos que o evangelicalismo moderno precisa ser corrigido e enriquecido mediante a mais antiga tradição evangélica. Parece que o evangelicalismo moderno é culpado precisamente desse erro de viver no passado — nesse caso, no passado recente, os fins do século XIX. Por muitas vezes, contentamo-nos hoje em tentar viver bem por reapresentarmos a rala sopa de doutrinas e as ideias algumas vezes duvidosas acerca de sua aplicação ética, eclesiástica e evangelística, que caracterizaram aquele período decadente da história evangélica. Mas a resposta a essa situação é, enfaticamente, que não devemos retroceder ainda mais, procurando agora viver não mais no século XIX, mas no século XVII. De vários modos, esse tipo de cura é pior do que a enfermidade. Por certo devemos recuar até antes do século XIX, reabrindo as minas mais ricas do ensino evangélico mais antigo; mas também devemos nos esforçar por avançar para além da mentalidade do século XIX, chegando a uma genuína apreciação de nossa situação no século XX, a fim de que possamos fazer uma aplicação genuinamente contemporânea do evangelho eterno.

Esse princípio é tão relevante, quando estudamos o assunto do dia do Senhor, como quando estudamos qualquer outro assunto. Pois aqui, não há dúvida, temos um assunto sobre o qual estamos muito defasados quanto a uma aplicação contemporânea dos princípios bíblicos. Nossas ideias e nossa linguagem a respeito, com frequência, deixam transparecer um certo grau de legalismo negativo de nossa parte. Se impusermos a nós mesmos a aplicação rígida do quarto mandamento, que os Puritanos elaboraram em termos de sua própria época, então meramente estaríamos perpetuando e aumentando aquele legalismo. Não obstante, se resistirmos à tentação de adotar essa aplicação pronta e nos atirarmos à tarefa de reaplicar, de modo realista, a lei de Deus às nossas atuais condições, então descobriremos na exposição dos Puritanos uma apresentação incomparavelmente rica e sugestiva dos princípios positivos que nos devem guiar em nosso julgamento sobre essa questão.

Antes de tudo, porém, precisamos preencher o pano de fundo histórico de nosso estudo.[1]

Os Puritanos criaram o domingo cristão inglês — ou seja, o conceito e a observância do primeiro dia da semana como dia de trégua tanto nos negócios como nas recreações organizadas, para que o tempo todo fosse deixado livre para a adoração, o companheirismo e as "boas obras". Esse ideal nunca foi aceito de modo geral pelos protestantes do continente europeu, conforme Baxter observou: "A Inglaterra tem sido uma felizarda quanto a esse aspecto da reforma".[2] A história dessa realização Puritana prolonga-se por um século. Nos fins do século XVI, era costume dos ingleses, depois de terminado o culto na igreja, passar o resto do domingo "frequentando peças teatrais obscenas... jogos, bebidas alcoólicas, festas e comemorações; ou então fumando cachimbo, dançando, jogando dados, jogando baralho, boliche, tênis, açulando cães contra ursos acorrentados, brigas de galo, falcoaria, caçadas, e coisas semelhantes; ou então frequentando feiras e mercados... ou indo a partidas de futebol e outros passatempos diabólicos".[3] Os crentes sérios (os "Puritanos", no sentido popular) ficaram cada vez mais preocupados com isso. O ponto de vista "Puritano" sobre o assunto, que Dennison mostrou já ter sido firmado, em essência, pelos bispos Hooper[4] e Latimer[5] pelo deão Edmund Bunny[6] e Gervase Babington,[7] recebeu sua primeira declaração formal, impressa, no livro do Dr. Nicholas Bound, True Doctrine of the Sabbath (A Verdadeira Doutrina a Respeito do Dia do Senhor - 1595) — embora a primeira exposição sobre a mesma doutrina a ser escrita pareça ter sido a obra de Richard Greenham, Treatise of the Sabbath (Tratado a Respeito do Dia do Senhor), que circulou privativamente por alguns anos.

A Declaração de Esportes, do rei Tiago I (1618), estabeleceu que, à parte dos esportes com touros e ursos e do boliche, todos os jogos populares podiam ser efetuados aos domingos, terminada a reunião na igreja. De fato, Tiago, por esse meio, "meramente reiterou o que já era lei do Estado e da igreja desde os primeiros dias da Reforma";[8] mas aquela Declaração deixou consternado o grupo crescente de clérigos e leigos Puritanos. Em 1633, Carlos I republicou-a e ordenou que os bispos determinassem que todo o clero a lesse em seus púlpitos; alguns recusaram-se a fazê-lo e como resultado perderam os seus rendimentos. Podemos ver através destas palavras de Baxter, como transcorriam as coisas no país, naquela época:

Em minha juventude... um dos inquilinos de meu pai era o flautista da cidade, e o lugar das danças ficava a menos de cem metros de nossa porta; assim, no dia do Senhor, não podíamos ler um capítulo da Bíblia, ou orar, ou entoar um hino, ou catequizar, ou instruir um servo, senão com o barulho da flauta, do tamborim e dos gritos que, da rua, chegavam continuamente aos nossos ouvidos; e... éramos alvos das zombarias de todos, sendo apelidados de puritanos, rigoristas ou hipócritas, porque preferíamos ler as Escrituras do que fazer o que eles faziam... E quando o povo, de acordo com o livro [isto é, a Declaração de 1633], recebeu permissão de folgar e dançar, exceto no horário do culto público, eles tinham tanta dificuldade em interromper suas diversões que, por muitas vezes, o leitor preferia esperar até que a flauta e os folgazões cessassem. Algumas vezes, os dançarinos folclóricos entravam nos templos, com todas as suas roupas, cachecóis e vestimentas extravagantes, com folclóricas sinetas sonindo, penduradas em suas pernas, e, assim que terminava a leitura da oração, eles se precipitavam de novo para as suas danças. Seria isso uma conduta celestial?[9]

Mas o ensino dos Puritanos teve os seus efeitos. Como resultado da atuação de Baxter em Kidderminster, aquela que antes havia sido uma comunidade de pessoas briguentas, viciadas no álcool e irreligiosas, foi de tal modo transformada que "no dia do Senhor não se via qualquer desordem em nossas ruas; pelo contrário, podia-se ouvir uma centena de famílias entoando salmos ou repetindo sermões, quando passávamos pelas ruas".[10]

Reforma similar ocorreu em muitos lugares onde ministravam pastores Puritanos. O Parlamento e seus sucessores, impulsionados por convicções Puritanas, decretaram uma série de determinações proibindo jogos, negócios e viagens aos domingos. Finalmente, em 1677, quando os Puritanos já tinham perdido a autoridade, um Parlamento violentamente anti-puritano assinou o Ato de Observância do Domingo, o qual reiterava e confirmava a legislação republicana (1649) sobre a questão. Esse ato prescrevia que ninguém deveria passar o domingo negociando, viajando, "trabalhando secularmente, em negócios ou ocupando-se em suas profissões", mas "exercitando-se... nos deveres da piedade e da verdadeira religião, pública e particular". A significação dessa legislação é clara. A Inglaterra tinha chegado a aceitar, de modo generalizado, o ideal Puritano acerca do domingo. Monarquistas e republicanos, conformistas e não-conformistas igualmente concordavam nisso. O ensino dos mestres Puritanos havia criado uma consciência nacional sobre o assunto; e isso apesar do fato que os teólogos da época dos reis Carlos I e Carlos II haviam feito oposição constante ao ponto de vista dos Puritanos, como algo teologicamente incorreto.

Contra esse pano de fundo da história, voltamo-nos agora para o ensino propriamente dito dos Puritanos.

1 - Significado do Quarto Mandamento (Êx 20.8-11). Neste ponto, os Puritanos foram à frente dos reformadores. Estes últimos tinham seguido Agostinho e, em geral, o ensino medieval, negando que o domingo fosse, em qualquer sentido, um dia de descanso. Eles afiançavam que o sábado, prescrito pelo quarto mandamento, era um mandamento tipicamente judaico, prefigurando o "descanso" proveniente do relacionamento com Cristo, pela graça e pela fé. Eis a explicação dada por Calvino:

é extremamente apta a analogia entre o sinal externo e a realidade simbolizada, visto que a nossa santificação consiste na mortificação de nossa própria vontade... Devemos desistir de todos os atos de nossa própria mente a fim de que, operando Deus em nós, possamos descansar nEle, conforme ensina o apóstolo (Hb 3.13; 4.3,9).[11]

Mas, agora que Cristo já veio, o tipo foi cancelado, e seria um erro perpetuá-lo, tal como seria um equívoco continuar a oferecer os sacrifícios levíticos. Calvino apelava aqui para Colossenses 2.16, que ele interpretava como alusão ao dia semanal de descanso. Ele admitia que, além e acima de sua significação típica, o quarto mandamento também ensina o princípio de que deve haver adoração pública e particular, além de servir de dia de descanso para os servos e empregados, pelo que a plena interpretação cristã seria tríplice:

Primeiro, por toda a nossa vida podemos ter por alvo um constante descanso de nossas próprias obras, a fim de que o Senhor possa operar em nós por meio do seu santo Espírito; segundo, cada pessoa deveria exercitar-se, com diligência, em devota meditação nas obras de Deus, e... todos devem observar a ordem legal determinada pela igreja para que se ouça a Palavra, para que se administre as ordenanças e a oração pública; terceiro, devemos evitar oprimir àqueles que nos estiverem sujeitos.[12]

Calvino falava como se isso fosse tudo quanto aquele mandamento prescrevesse, nada encontrando no mesmo, em seu sentido cristão, que proibisse trabalho ou diversão no domingo, após o tempo passado na igreja. A maior parte dos reformadores falava no mesmo tom. O que há de notável é que suas declarações, em outros contextos, mostram que "os reformadores, como um grupo, defendiam a autoridade divina e a obrigação de observar o quarto mandamento, requerendo que um dia em cada sete fosse empregado na adoração e serviço de Deus, admitindo somente as obras de necessidade e de misericórdia, em favor dos pobres e aflitos".[13] É um quebra-cabeça, porém, porque eles nunca perceberam a incoerência entre afirmar isso em termos gerais, e ainda assim apresentar a exegese de Agostinho sobre o domingo cristão. Podemos apenas supor que isso se deve ao fato que não queriam entreter a ideia que Agostinho poderia estar enganado, razão que os cegava para o fato que estavam montando dois cavalos ao mesmo tempo.

Eles, contudo, corrigiram essa incoerência. De forma virtualmente unânime, insistiram que, embora os reformadores estivessem certos ao verem apenas um sentido típico e temporário em algumas das detalhadas prescrições do sábado judaico, havia o princípio de um dia de descanso, para efeito de adoração a Deus, pública e particular, após cada seis dias de trabalho, como uma lei da criação, estabelecida em benefício do homem, e, portanto, obrigatória para o homem enquanto ele viver neste mundo. Também destacavam que, figurando entre nove leis indubitavelmente morais e permanentes do decálogo, o quarto mandamento dificilmente teria uma natureza apenas típica e temporária.

De fato, eles viam esse mandamento como parte integral da primeira tábua da lei, que aborda sistematicamente a questão da adoração: "O primeiro mandamento fixa o objeto; o segundo, o meio; o terceiro, a maneira; e o quarto, o tempo" .[14] Também observaram que o quarto mandamento começa com as palavras "Lembra-te...", e isso nos faz olhar para trás, para antes da instituição mosaica. Observavam que o trecho de Gênesis 2.1 e seguintes representa o sétimo dia de descanso como o próprio descanso de Deus após a criação, e que a sanção atrelada ao quarto mandamento, em Êxodo 20.8 ss., olha de volta para aquele fato, retratando o dia como um memorial semanal da criação, "para ser observado para a glória do Criador, como o dever que temos de servi-Lo e como um encorajamento para confiarmos nAquele que criou os céus e a terra. Por meio da santificação do sábado, os judeus declaravam que eles adoravam ao Deus que criou a terra..." Assim falou Matthew Henry, aquele que posteriormente representou todos os Puritanos, ao comentar sobre Êxodo 20.11. Henry também frisou que o mandamento afirma que Deus santificou o sétimo dia (ou seja, apropriou-o para Si mesmo) e o abençoou (isto é, derramou bênçãos sobre ele, encorajando- nos a esperar bênçãos, ao guardarmos de forma religiosa aquele dia"); e que Cristo, embora tivesse reinterpretado a lei sobre o sábado, não a cancelou, mas antes, firmou-a, observando-a Ele mesmo e mostrando que esperava que os seus discípulos continuassem a observá-la (cf. Mt 24.20).

Tudo isso, argumentavam os Puritanos, mostrava que o descanso do sétimo dia era mais que um mandamento judaico; era um memorial da criação, parte da lei moral (a primeira tábua, que prescreve a adoração apropriada ao Criador), e, como tal, era perpetuamente obrigatória para todos os homens. Assim, quando o Novo Testamento nos diz que os cristãos se reuniam para adorar no primeiro dia da semana (At 20.7; 1 Co 16.2), guardando aquele dia como "o dia do Senhor" (Ap 1.10), isso só pode significar uma coisa: por preceito apostólico, e, provavelmente, por injunção dominical durante os quarenta dias antes da ascensão, esse tornara-se o dia em que os homens, doravante, deveriam guardar o dia de descanso prescrito pelo quarto mandamento. Os Puritanos notaram que essa mudança, do sétimo dia da semana (o dia que assinalara o fim da antiga criação) para o primeiro (o dia da ressurreição de Cristo, que assinalara o início da nova criação), não era excluída pelas palavras do quarto mandamento, que "meramente determina que devemos descansar e guardar, como descanso, cada sétimo dia ...mas ...de modo algum determina onde deve começar a sequência de dias... Não há, no quarto mandamento, qualquer orientação sobre como computar o tempo..." [15]Portanto, coisa alguma impede-nos de supor que o Novo Testamento parece requerer que foram os apóstolos que fizeram a alteração. Nesse caso, torna-se claro que a condenação (em Cl 2.16) do sabatismo judaico nada tem a ver com a observância do dia do Senhor. Essas, em esboço, foram as considerações feitas pelos Puritanos, com base na doutrina do dia do Senhor, a qual é bem sintetizada na Confissão de Westminster (XXI:vii-viii).

2 - O caráter do quarto mandamento. Comentando sobre Marcos 2.27, escreveu Matthew Henry:

o dia de descanso é uma sagrada e divina instituição; mas devemos recebê-lo e adotá-lo como um privilégio e um benefício, não como uma tarefa ou uma carga enfadonha. Primeiro, Deus nunca planejou que o dia de descanso fosse uma imposição para nós, por isso não devemos transformá-lo em uma imposição... Segundo, Deus planejou-o para que fosse uma vantagem para nós, por isso devemos recebê-lo e aprimorá-lo... Ele teve consideração pelos nossos corpos, nessa instituição, para que possamos descansar... Ele teve muito mais consideração pelas nossas almas. Ele foi instituído como o dia de descanso, somente a fim de ser um dia de atividade santa, um dia de comunhão com Deus, um dia de louvor e ação de graças; assim, o descanso, depois de atividades seculares, é uma necessidade, a fim de podermos nos dedicar ao louvor e à ação de graças, passando todo o tempo nessas atividades, pública e particularmente... Vê-se aqui quão bom é o Senhor a quem servimos, porquanto a Ele pertencem todas essas instituições que visam ao nosso benefício...

Essa citação resume com clareza a abordagem Puritana quanto ao dia do Senhor. Queremos aqui meramente sublinhar três dos pontos destacados por Matthew Henry, adicionando um quarto ponto, como resultado.

(a) Guardar o domingo significa ação, e não inércia. O dia do Senhor não é um dia de ociosidade. "A ociosidade é um pecado em qualquer dia, e muito mais no dia do Senhor".[16] Não se guarda o domingo ficando atirado em algum lugar, sem fazer nada. Convém que descansemos das atividades de nossos afazeres diários, ocupando-nos nas atividades próprias à nossa vocação celestial. Se não passarmos o dia ocupados nestas atividades, não o estaremos santificando.

(b) Guardar o domingo não é uma carga entediante, mas um jubiloso privilégio. O domingo não é um jejum, mas uma festa, um dia de regozijo nas obras do Deus gracioso, e a alegria deve ser a nossa atitude durante todo esse dia (cf. Is 58.13). "A alegria nunca é tão própria a alguém como a um santo, tornando-se o domingo tanto um feriado quanto um descanso".[17]

É dever e glória do crente regozijar-se no Senhor a cada dia, especialmente no dia do Senhor... Jejuar no dia do Senhor, dizia Inácio, é matar a Cristo; mas regozijar-se no Senhor nesse dia, e regozijar-se em todos os deveres do dia... isso é coroar a Cristo, isso é exaltar a Cristo.[18]

A alegria deve ser a tônica da adoração pública; Baxter, em particular, deplorava os cultos insípidos e monótonos. Não deveria haver tristeza no dia do Senhor. E aqueles que dizem que não podem achar alegria nos exercícios espirituais do domingo mostram que há algo gravemente errado consigo.

(c) Guardar o domingo não é um labor inútil; é um meio de graça.

Por meio dessa instituição, Deus encarregou-nos de separar esse dia para uma busca especial por sua graça e bênção. E daí podemos argumentar que Ele, de forma especial, confere a sua graça sobre aqueles que O buscam... O domingo é um tempo oportuno, um dia de salvação, um período durante o qual Deus, em especial, aprecia ser buscado, amado e encontrado...[19]

Assim manifestou-se Edwards, e Swinnock mostrou-se lírico ao elogiar a graça do domingo:

Salve tu que és altamente favorecido por Deus; tu, pote de ouro da semana; tu, dia de feira da alma; tu, romper do dia de eterno resplendor; tu, rei dos dias; o Senhor seja contigo, bendito és entre os dias... Oh! como homens e mulheres esvoaçam para cima e para baixo nos dias de semana, como a pomba faz por sobre as águas, mas não podem achar descanso para as suas almas, até chegarem a ti, que és a sua arca, até estenderes a mão e recolhê-los para dentro! Oh! como se assentam à tua sombra com grande deleite e acham teus frutos doces ao seu paladar! Oh! a mente a alçar-se, o coração a encantar-se de felicidade, a consolação da alma, que em ti eles desfrutam no bendito Salvador!"[20]

(d) Não guardar o domingo atrai o castigo, o que também sucede ao abuso contra qualquer privilégio e meio de graça dados por Deus. Declínio espiritual e perda material têm sido colhidos por pessoas e comunidades, por causa desse pecado. Os excelentes dons de Deus não podem ser desprezados sem impunidade. Thomas Fuller pensava que a Guerra Civil (e Brooks, sobre o incêndio de Londres) viera como juízo divino sobre a nação, por estar negligenciando o domingo.

O caráter evangélico e admiravelmente positivo dessa abordagem quanto ao dia do Senhor dificilmente poderá ser melhorado.

3 - Princípios práticos quanto à observância do dia do Senhor. Os Puritanos eram homens metódicos, levando em conta todos os pormenores; e achamo-los a dar uma detalhada atenção a esse aspecto de nosso assunto. Quatro princípios, em particular, precisam ser considerados aqui.

(a) Devem ser feitos preparativos para o dia do Senhor. Primeiramente, os Puritanos recomendavam, devemos perceber a importância do dia do Senhor, aprendendo a dar-lhe o devido valor. Esse é um grande dia para a igreja e para o crente: "Um dia de feira para a alma," um dia de entrar nos próprios "subúrbios do céu", com orações e louvores coletivos. Logo, nunca devemos permitir que os nossos domingos tornem-se rotineiros; com tal atitude, logo os reduziremos a uma formalidade enfadonha. Todo domingo tem por desígnio ser um grande dia, e deveríamos nos aproximar dele com atitude de expectação, na plena consciência do fato. Portanto, cumpre-nos planejar nossa semana, para que possamos tirar o máximo proveito de nosso domingo. A falta de providência e o acaso eliminam nosso proveito aqui, tal como o fariam em qualquer outro empreendimento.

Aquele cuidado que vemos nos homens naturais acerca de seus corpos, devemos aprender acerca de nossas almas; eles planejam e providenciam de antemão o que haverão de comprar... e vender... assim, se quisermos fazer bons negócios em favor de nossas almas, teremos [durante toda a semana anterior] de ir preparando nossos corações... para que então não nos reste preocupação nem com o pecado e nem com os cuidados deste mundo... Compete-nos... eliminar todas as distrações e empecilhos, elevando nossos corações contra a indiferença e o enfado... se quisermos passar o dia do Senhor na obra do Senhor, de uma maneira confortável e proveitosa.[21]

Preparar o coração reveste-se da maior importância possível, pois o dia do Senhor é, acima de tudo, um "dia de trabalho do coração".[22] Desse ângulo, a batalha pelo nosso domingo é ganha ou perdida na noite anterior, no sábado, quando devemos separar algum tempo para o auto-exame, a confissão e a oração em favor do dia seguinte. A confraternização dos jovens, dirigida por Richard Baxter, costumava usar três horas, cada sábado à noite, para se prepararem para o dia do Senhor. Swinnock garantiu: "Se quiseres deixar teu coração com Deus, no sábado à noite, então poderás achá-lo com Ele, na manhã do dia do Senhor".[23] A regra final para essa preparação veio de Richard Baxter, que possuía uma mente prática por excelência: "Recolhe-te ao leito ainda cedo, para que não estejas sonolento no dia do Senhor".[24]

(b) A adoração pública deve ter o lugar central no dia do Senhor. O dia deve girar em torno da adoração pública, pela manhã, à tarde e à noite ("os cultos públicos devem ocorrer pelo menos duas vezes a cada domingo"[25]). As devoções particulares devem ocupar o segundo lugar, se tivermos de escolher entre o culto público e a devoção particular. Mas devemos levantar-nos na manhã do domingo com tempo suficiente para prepararmos o coração, a fim de louvar, orar e ouvir a pregação da Palavra de Deus, pois "se chegarmos abruptamente na casa do Senhor, depois de termos brigado ou discutido, ou assim que sairmos da cama... a Palavra será cansativa e servirá somente para endurecer ainda mais os nossos corações".[26]

Os cultos dirigidos pelos Puritanos prolongavam-se por cerca de três horas; e os Puritanos pouco simpatizavam com aqueles que se queixavam de quão longas eram as suas reuniões. O comentário de Baxter foi que aqueles que pensavam que os cultos nas igrejas são entediantes, e, contudo, podiam passar muito mais tempo em algum bar ou entretenimento, sem se enfadarem, devem ter corações maus; Baxter aproveitou a oportunidade para dizer uma oportuna palavra aos pregadores, sugerindo-lhes

uma maneira mais honesta de curar o cansaço das pessoas. Prega com vida e despertamento sério... e com um método fácil e variedade de assunto atrativo, para que as pessoas nunca se cansem de ti. Derrama abundantemente o amor e os benefícios de Deus; abre diante das pessoas os privilégios da fé, as alegrias da esperança, a fim de que nunca fiquem iradas. Quantas vezes tenho ouvido as pessoas dizerem sobre tais pregadores: Eu poderia ouvi-lo o dia inteiro e nunca me cansaria! Elas ficam perturbadas com a brevidade dos sermões, desejando que fossem mais longos...[27]

(c) A família deve funcionar como uma unidade religiosa no dia do Senhor. O Catecismo Maior de Westminster, em sua pergunta 118, é enfático a esse respeito: "O mandamento de guardar o dia do Senhor (domingo) é especialmente dirigido aos chefes de família e a outros superiores, porque estes são obrigados, não somente a guardá-lo por si mesmos, mas a fazer que seja observado por todos os que estão sob o seu cuidado". Um chefe de família deve dirigir as orações domésticas, levar a família à igreja, examinar e ensinar a Bíblia às crianças e aos empregados depois do culto, certificando-se que realmente absorveram o sermão ouvido. O princípio envolvido neste ponto é que o chefe da família tem a inalienável responsabilidade de cuidar das almas dos de sua casa, e que é supremamente no dia do Senhor que ele deve exercer tal responsabilidade. Os pastores Puritanos, distinguindo-se dos modernos pastores evangélicos, não planejavam atingir os homens através das mulheres e das crianças, mas faziam exatamente o contrário. Não eram eles, talvez, mais sábios, e também mais bíblicos?

(d) Devem ser evitadas as armadilhas do legalismo e do farisaísmo, no tocante ao dia do Senhor. Essas atitudes erradas são ameaçadoras nesse campo, como em todos os demais aspectos da vida espiritual. Não havia desacordos entre os Puritanos que, conforme a pergunta 60 do Breve Catecismo de Westminster, afirmavam:

O domingo deve ser santificado como um santo descanso o dia inteiro, incluindo atividades e recreações que são legítimas em outros dias; o crente deve passar todo o tempo nos exercícios públicos e particulares da adoração a Deus, excetuando aquilo que deve ser dedicado às obras necessárias e de misericórdia.

Contudo, existem maneiras certas e erradas de atingirmos os alvos, e o mais esperto de todos os mestres esforçou-se para advertir que tanto o legalismo (o hábito negativo que frisa o que a pessoa não deve fazer no dia do Senhor, sem dizer mais nada) quanto o farisaísmo (o hábito auto-justificador que está sempre disposto a censurar outras pessoas, por lapsos reais ou imaginários quanto a essa questão) são, ambos, violações do espírito do evangelho. Baxter, como já seria de esperar, é quem mais tem a dizer sobre essas atitudes, contrabalançando-as com um construtivo princípio evangélico de julgamento:

Primeiramente considerarei os deveres positivos de um homem no dia do Senhor — como ouve, lê, ora e passa o seu tempo, e como instrui e ajuda os seus familiares. Se busca a Deus com diligência e efetua seus deveres espirituais, então serei mal-educado ao julgá-lo por causa de alguma palavra ou ato, sobre coisas terrenas corriqueiras...[28]

Aqui, por certo, vemos a sabedoria cristã.

As citações acima falam por si mesmas, não havendo necessidade de maiores comentários. As questões sobre bem-estar espiritual, que elas suscitaram, devem ser deixadas para cada leitor considerar por si mesmo. Encerramos com um testemunho e uma admoestação.

O testemunhho é aquele do juiz do Supremo Tribunal inglês, Sir Matthew Hale:
“Através de uma estrita e diligente observação, tenho descoberto que a devida observância dos deveres do dia do Senhor sempre é acompanhada por uma bênção sobre o resto de meu tempo, e que a semana assim iniciada tem sido abençoada e próspera para mim; por outro lado, quando me mostro negligente acerca dos deveres desse dia, o restante da semana tem sido um fracasso e tenho sido infeliz em minhas atividades seculares. Escrevo isso não de forma leviana e impensada, mas depois de longa e sã observação e experiência."[29]

A admoestação é aquela de Thomas Brooks:

Para terminar, lembremo-nos que não há crentes, em todo o mundo, que se comparem, quanto ao poder da piedade e quanto à excelência nos terrenos da graça, da santidade e da comunhão com Deus, como aqueles que se mostram mais estritos, sérios, estudiosos e meticulosos na santificação do dia do Senhor... A verdadeira razão pela qual o poder da piedade tem caído a níveis tão baixos, tanto neste como em outros países, é que o domingo não está mais sendo observado de forma estrita e consciente... Oh! que esses simples conselhos fossem tão abençoados pelo céu que nos impulsionassem a uma santificação mais constante, séria e meticulosa do dia do Senhor...[30]

Notas: 

[1] Ver especialmente W.B.Whitaker, Sunday in Tudor and Stuart Times (Houghton Publishing Co, Londres, 1933), e James T.Dennison, Jr., The Market Day of the Soul: The Puritan Doutrine of the Sabbath in England, 1532-1700 (University Press of America, Lanham, 1983).
[2] Richard Baxter, Works, II:906 (George Virtue, Londres, 1838).
[3] Philip Stubbes, Anatomie of Abuses in England (1583).
[4] Early Writings of John Hooper (Parker Society, Cambridge, 1843), p. 342: "O domingo, que nós guardamos, não é um mandamento dos homens... mas, por intermédio de palavras claras, é ordenado que guardemos este dia como o nosso sábado, tal como nos declaram as palavras do apóstolo Paulo (1 Co 16...)".
[5] Sermons by Hugh Latimer (Parker Society, Cambridge, 1844), pp. 471- 473: "Este dia foi designado por Deus para que ouçamos a sua Palavra, aprendamos as leis e, consequentemente, o sirvamos... Deus odeia a rejeição do seu dia, tanto agora como antes (na época do Velho Testamento)... Ele quer que guardemos o seu dia, tanto agora como antes..."
[6] Edmund Bunny, The Whole Summe of Christian Religion (1576), p. 47: "O quarto mandamento requer que o crente gaste todo o seu dia de descanso ou nos exercícios públicos, ou nos exercícios ordinários, na leitura de sermões, ou na meditação particular".
[7] Gervase Babington, A Very Fruitfull Exposition of the Commandments (1583): "Uma das principais asseverações a respeito daquilo que a história conhece como a doutrina Puritana do dia de descanso... O mandamento do sábado está perpetuamente ligado a todos os homens. Santificar o dia de descanso: 1) descansar de todos os labores; 2) reunir-se para a adoração; 3) descansar do pecado..." (Dennison, op cit, p. 29).
[8] Whitaker, op cit, p. 95.
[9] Baxter, Works, III:904, citado de The Divine Appointment of the Lord's Day, Proved (1671).
[10] Reliquiae Baxterianae, editado por M.Sylvester (Londres, 1696), primeira paginação, p. 84.
[11] John Calvin, Institutes of the Christian Religion, II:viii:29.
[12] ibid, II:viii:34.
[13] Patrick Fairbairn, The Typology of Scripture (Smith and English, Filadélfia, 1854), II:142; ver Apêndice A, pp. 514, 515, quanto à evidência.
[14] Jonathan Edwards, sermão II, a respeito da "Perpetuidade e Mudança do Sábado", uma primorosa afirmação do ponto de vista Puritano; em Works, editado por Henry Hickman (Banner of Truth, Edimburgo, 1974), II:95. A posição definitiva encontra-se na Westminster Confession XXI:vii: "Visto ser lei da natureza que, em geral, uma devida proporção do tempo seja separada para a adoração a Deus; assim, em sua Palavra, por meio de um mandamento positivo, moral e perpétuo, que obriga todos os homens, em todas as épocas, Ele designou particularmente um dia em sete a fim de ser um dia de descanso, para ser santificado a Ele. Este dia, desde a criação do mundo até a ressurreição de Cristo, foi o último dia da semana; e, desde a ressurreição de Cristo, foi mudado para o primeiro dia da semana, que, nas Escrituras, é chamado o dia do Senhor e continuará, até o fim do mundo, como o sábado cristão".
[15] ibid, II:96.
[16] John Dod e Robert Cleaver, A Plaine and Familiar Exposition of the Ten Commandments (Londres, 1628), p. 143.
[17] "George Swinnock, Works (James Nichol, Edimburgo, 1868), 1:239.
[18] Thomas Brooks, Works, VI:299 (James Nichol, Edimburgo, 1867).
[19] Edwards, Works, II:102.
[20] Swinnock, Works, I.
[21] Dod e Cleaver, op cit, pp. 138, 139.
[22] Baxter, Works, I:470.
[23] Swinnock, Works, I:230.
[24] Baxter, Works, I:472.
[25] Richard Greenham, Works (edição de 1611), p. 208.
[26] Dod e Cleaver, op cit, p. 145.
[27] Baxter, Works, III:905.
[28] ibid, III:908.
[29] Works of Sir Matthew Hale, editado por T.Thirlwell (1805), I:196.
[30] Brooks, Works, VI:305, 306.

Fonte: Capítulo 14 do livro "Entre os Gigantes de Deus", Editora Fiel

Igreja em Células: Esse É Mesmo o Ideal Bíblico? - Rev. Marcos Granconato

De tempos em tempos, o meio evangélico é presenteado com “novas descobertas” acerca do ideal de Deus para a sua igreja. Geralmente, essas “novas descobertas” apresentam um método eficaz para o crescimento e o amadurecimento do povo de Deus, dizendo ousadamente que o tal método não é novo, mas era usado pelos apóstolos, podendo ser encontrado no Novo Testamento. Então, os “descobridores” apresentam seus “textos-prova” e aí começa o festival de piruetas hermenêuticas.
Em anos recentes, a moda tem sido a proposta de igrejas em células — um modelo em que a comunidade local se divide em pequenos núcleos que se reúnem geralmente nos lares, sob a liderança de alguém, tentando reproduzir ali a vida integral da igreja. Em algumas dessas células, a vida integral da igreja tenta ser reproduzida a tal ponto que seus componentes desfrutam de plena autonomia para determinar rumos, tomar decisões, receber novos membros, realizar batismos — tudo como numa igreja independente e formalmente constituída. Em células assim, os líderes geralmente chegam a desempenhar papéis de verdadeiros pastores, mesmo sem passar pelo processo de chamado (1Tm 3.1), análise de requisitos (1Tm 3.2-7), eleição (At 14.23) e investidura (1Tm 4.14) ensinado no NT.
Tudo isso é feito sob a repisada alegação de que a igreja dos tempos do NT era uma igreja que se reunia em pequenos grupos nos lares. Segundo parece, para os proponentes desse modelo, o fato de as igrejas do século 1 se reunir nas casas é evidência cabal de que eram igrejas divididas em células. Porém, será que essa conclusão está correta? Tenho cá comigo algumas dúvidas.
Antes, contudo, de mostrar que as igrejas do NT não eram igrejas em células, quero destacar aqui que não há nada de errado na iniciativa de fazer cultos nas casas. Eu mesmo já participei de vários e sempre gostei muito (especialmente da hora do chá com bolo). O que é errado é supor que um modelo eclesiástico é dominante doNT quando não é. Mais errado ainda é tentar fazer esse modelo se encaixar nos textos bíblicos, fazendo uso, para isso, de uma exegese artificial e forçada — o tipo de exegese que tenta a todo custo provar o que não existe ou criar ênfases que os escritores bíblicos nunca demonstraram.
Dito isso, vamos agora avaliar se as igrejas do NT eram mesmo igrejas em células. De antemão, quero repetir: eu duvido muito disso e não vejo sinal nenhum desse modelo na Bíblia. Observem comigo: o fato de os crentes do século 1 se reunir em casas não indica que as igrejas eram pequenas células separadas. Essa noção parte do pressuposto de que as casas em que os crentes se reuniam eram bem pequenas, cabendo somente meia-dúzia de pessoas dentro delas. No entanto, nada está mais longe da verdade.
De fato, o livro de Atos mostra várias vezes que as reuniões das igrejas da época ocorriam em salas enormes, capazes de abrigar muita gente. Esses salões eram geralmente espaços construídos em andares superiores e nós os conhecemos como cenáculos (Gr. hyperōon [ou anágaion], lit. cômodo no andar de cima). Vejam, por exemplo, o ajuntamento de discípulos de que fala o texto de Atos 1.13-15. Essa passagem diz que eles se reuniam num cenáculo em Jerusalém e que o grupo era composto por quase 120 pessoas. Outro exemplo se encontra em Atos 20.6-9 em que toda a igreja de Trôade é retratada reunida para ouvir Paulo num cenáculo situado no 3º andar de um edifício. Esses exemplos mostram que igrejas inteiras podiam se reunir numa só casa, não tendo necessariamente que se dividir em pequenos grupos.
Aliás, o livro de Atos mostra que, mesmo quando o número de crentes em Jerusalém cresceu, chegando a milhares, o padrão dominante de subsistência eclesiástica não foi a divisão em pequenos grupos ou células. Em vez disso, Lucas narra que, mesmo havendo milhares de cristãos na cidade, ainda assim eles se reuniam formando grandes multidões e participavam juntos, num mesmo lugar, das orações (At 4.31), da comunhão indivisa (At 4.32), do ensino e das decisões ligadas à vida da igreja (At 6.1-2,5). Em Atos 2.46 e 5.12 fica claro que, uma vez que estavam em Jerusalém, os crentes faziam essas grandes reuniões muitas vezes nos amplos pátios e átrios do templo judaico, onde cabia muita gente.
Que essas reuniões da igreja toda eram dominantes no século 1 (e não o modelo fragmentado de células) é também visto com especial clareza em Atos 15, o capítulo que narra os detalhes do primeiro concílio eclesiástico reunido em Jerusalém. Esse concílio contou com a presença dos apóstolos, de vários presbíteros e (notem) de toda a igreja (At 15.22). O episódio de Atos 15 mostra de forma cabal que a igreja primitiva se reunia sim em ajuntamentos maiores, abrangendo a totalidade de seus membros (At 15.12), funcionando em seu dia a dia de forma bem diferente do modelo que vê nas células o padrão eclesiástico dominante e necessário.
Resumindo:
1) A igreja primitiva se reunia em casas (At 2.46; Rm 16.5; Cl 4.15; Fm 1.2), mas isso não significa que estava dividida em células, pois seus locais de reunião eram geralmente amplos (os cenáculos);
2) Mesmo no caso de Jerusalém, que teve milhares de cristãos, a igreja inteira se reunia para os atos da vida eclesiástica, sendo os encontros nos lares apenas um aspecto de sua vida que, em momento algum, é apresentado como dominante ou de maior importância;
3) Logo, não há base alguma para a afirmação de que o modelo da igreja em células é o ideal proposto no NT, posto que nenhuma sugestão disso é feita pelos escritores bíblicos;
4) Na verdade, o que se percebe na leitura de Atos é que o padrão que reinava na igreja apostólica era o ajuntamento de todos os crentes para o desfrute do intenso convívio eclesiástico, com suas responsabilidades e privilégios (At 4.32-35).
Pr. Marcos Granconato
Força e Fé
Soli Deo gloria

January 19, 2016

O Quarto Mandamento - Charles Hodge


Como o propósito do quarto mandamento é:

1) Comemorar a obra da criação. O povo recebeu a ordem de relembrar o dia do sábado e santificá-lo, porque em seis dias Deus fez os céus e a terra.

2) Preservar vivo o conhecimento do único Deus vivo e verdadeiro. Se os céus e  a terra foram criados têm de ter tido um criador e este criador tem que ser extra-mundo, existindo anteriormente, fora e independentemente do mundo. Tem que ser onipotente e infinito em conhecimento, sabedoria e bondade; porque todos estes atributos são necessários para explicar as maravilhas do céu  e da terra...

3) Este mandamento tinha o propósito de deter o curso da vida externa das pessoas e fazê-las voltar seus pensamentos para o invisível e espiritual. Os homens são tão propensos a submergir nas coisas deste mundo que é da maior importância que haja um dia de freqüente repetição em que lhes seja proibido pensar nas coisas deste mundo, e que os faça pensar nas coisas invisíveis e eternas.

4) Tinha o propósito de dar tempo para a instrução do povo e para o culto especial e público de Deus.

5) Mediante proibição de todo trabalho servil, tanto dos homens como dos animais, estava designado para assegurar um repouso recuperativo para aqueles em que havia recaído a primeira maldição: “Comerás com o suor de teu rosto”.

6) Como dia de descanso e separado para a relação com Deus, estava colocado para ser um tipo daquele repouso que é permanente para o povo de Deus, como vemos no Salmo 95:11, como o expõe o apóstolo Paulo em Hebreus 4:1-10.

7) Como a observância do sábado havia sido extinto entre as nações, foi somente restaurado sob a administração Mosaica para que fosse sinal do pacto entre Deus e os filhos de Israel. Deviam distinguir-se de entre todas as nações da terra como o povo que guardava o Sábado, e como tal recebia bênçãos especiais de Deus. Êxodo 31.13: “Tu, pois, falarás aos filhos de Israel e lhes dirás: Certamente, guardareis os meus sábados; pois é sinal entre mim e vós  nas vossas gerações; para que saibais que eu sou o SENHOR, que vos santifica”. E em Ezequiel 20.12, lemos: “Também lhes dei os meus sábados, para servirem de sinal entre mim e eles, para que soubessem que eu sou o SENHOR que os santifica”.

O Sábado Foi Instituído Desde o Princípio e é de Obrigação Perpétua

1) Isto pode-se inferir pela natureza e propósito da instituição. É um princípio geralmente reconhecido que aqueles mandamentos dirigidos aos judeus como judeus, e baseados em suas peculiaridades, circunstâncias e relações, se desvaneceram quando se aboliu a administração Mosaica; porém os mandamentos baseados na imutável natureza de Deus ou nas relações permanentes dos homens, são de obrigação permanente. Há muitos mandamentos que obrigam aos homens como homens; aos pais como pais; aos filhos como filhos. É perfeitamente evidente que o quarto mandamento pertence a esta última classe. É importante que todos os homens vejam que Deus criou o mundo e por isso Ele é um ser pessoal, extra-mundo, infinito em todas suas perfeições. Todos os homens têm que parar em sua caminhada terrena e são chamados a parar e voltar seus pensamentos até Deus. É de incalculável importância que os homens tenham tempo e oportunidade para a instrução e o culto religioso. É necessário que todos os homens e animais servis tenham tempo para recobrar suas forças. O repouso noturno diário não é suficiente para ele como nos asseguram os fisiologistas, e como tem demonstrado a experiência.

Assim, parece, pela natureza deste mandamento moral e não cerimonial, que é original e universal em sua obrigação. Nada pressupõe que os mandamentos “não matarás” e “não furtarás”, que foram primeiramente anunciado por Moisés tenham deixado de ser mantidos quando a antiga administração se desvaneceu. Uma lei moral é mantida por sua própria natureza. Expressa uma obrigação que surge de nossa relação com Deus ou de nossas relações permanentes com  nossos semelhantes. É mantida tanto se está formalmente promulgada ou não.  É evidente que há elementos cerimoniais no quarto mandamento tal como aparece na Bíblia. É cerimonial que seja uma sétima, e não uma sexta e oitava parte do nosso tempo que consagramos ao serviço público a Deus. É cerimonial que seja o sétimo dia da semana e não outro dia o que é separado. Porém é moral no que se refere a um dia de repouso e cessação de atividades terrenas. É de obrigação moral que Deus e Suas grandes obras sejam expressamente relembradas. É um dever moral que o povo se reúna para instrução religiosa e para a adoração corporativa a Deus. Tudo isto era obrigatório antes da época de Moisés e havia sido mantido, embora ele jamais houvesse existido. Tudo o que fez o quarto mandamento foi colocar esta obrigação natural e universal de uma forma concreta.

2) A obrigação original e universal da Lei do Sábado se pode inferir pelo fato de ter encontrado lugar no Decálogo. Como todos os outros mandamentos naquela revelação fundamental dos deveres do homem para com Deus e para com seu próximo são morais e permanentes em sua obrigação, seria incongruente e não natural que o quarto mandamento fosse uma exceção solitária. Este argumento não é desde cedo contestado com a resposta dada pelos defensores da doutrina oposta. O argumento, dizem eles, é válido só na suposição de “que a Lei  Mosaica, devido a sua origem divina, seja de autoridade universal e permanente”. Não se poderia da mesma forma dizer que se o mandamento “Não furtarás”, continua válido ainda hoje, todo o conteúdo da Lei tem de ser mantido?

3) Outro argumento da penalidade que acompanha a violação deste mandamento: “Portanto, guardareis o sábado, porque é santo para vós outros; aquele que o profanar morrerá; pois qualquer que nele fizer alguma obra será eliminado do meio do seu povo” (Ex 31.14).

Nenhuma violação de uma lei meramente cerimonial era visitada com esta pena. Nem o descuido da circuncisão, embora envolvesse a rejeição tanto do pacto Abraâmico e do Mosaico, e necessariamente implicava a perda de todos aos benefícios da teocracia, foi constituído como delito capital. A Lei do sábado, ao permanecer distinta assim, foi elevada muito acima dos meros mandamentos positivos (cerimoniais). Foi-lhe dado um caráter especial, não só de importância primordial, mas também de santidade.

4) Por este mandamento encontramos que nos profetas, assim como no Pentateuco, e nos livros históricos do Antigo Testamento, o Sábado não só é mencionado como “deleite”, mas que também é predita sua fiel observância como uma característica do período Messiânico.
Estas considerações, afora a evidência histórica ou da asserção direta das Escrituras, são suficientes para criar uma suposição intensa, senão invencível, de que o Sábado foi instituído desde o princípio, e que foi designado para ser de obrigação universal e permanente. Toda lei que teve uma base ou razão temporal para sua promulgação era temporal em sua obrigação. Onde a razão  da lei é permanente, a mesma lei é permanente.

Fonte: Revista Os Puritanos.
Monergismo

O que Calvino realmente disse sobre o quarto mandamento? - Rev. Dr. Prof. Francis Nigel Lee



João Calvino de Genebra (1509-1564)… desferiu o golpe de morte para os dias de festa dos romanistas e deu grande ímpeto ao Decálogo e à observância do domingo. Muito uso tem sido feito pelos antinomistas anabatistas a respeito das cuidadosas afirmações de Calvino em suas Institutas de 1536 de que “foi bom deixar de lado o dia guardado pelos judeus” — mas pouco uso tem sido feito das afirmações igualmente cuidadosas que aparecem duas linhas depois na mesma sentença, de que “foi necessário estabelecer em seu lugar outro dia”.(1) Antinomistas têm enfatizado a afirmação verdadeira de Calvino contra os romanistas de que guardadores ferrenhos do domingo “insultam os judeus pela mudança do dia, e ainda atribuem a ele a mesma santidade” — mas ignoram sua afirmação, igualmente verdadeira (aparentemente contra os antinomistas!) que aparece seis linhas depois: “Tenhamos o cuidado, entretanto, de observar a doutrina geral… diligentemente comparecendo às nossas assembleias religiosas”.(2)

Anti-calvinistas desprezadores da lei não falharam em apreender a opinião correta do genebrino quando disse que “o sábado tenha sido revogado” — mas falharam em apreender com igual correção a opinião apresentada na seção seguinte, de que “algumas mentes levianas se agitam demais hoje em dia por causa do domingo. Queixam-se de que o povo cristão continua preso a um tipo de judaísmo, visto que ainda retém alguma observância de dias. A isso respondo que sem judaísmo observamos o domingo”.(3) Essas “mentes levianas” não se furtam de citar fortes afirmações de Calvino de que “Cristo é o verdadeiro cumprimento do sábado” e que ele “não está contente com um dia, mas exige o curso inteiro de nossa vida” etc. — mas se furtam de afirmações igualmente fortes de que Deuteronômio 5 é “igualmente aplicável a nós como aos judeus” e que nos tempos apostólicos “os primeiros cristãos substituíram o sábado por aquilo que nós chamamos de Dia do Senhor”!(4) 

Contudo, talvez ainda mais importante do que suas visões nas Institutas de 1536 — escritas em seus tenros 26 anos de idade — são as afirmações posteriores de Calvino sobre a questão do sábado, sobre as quais os antinomistas mantêm o mais profundo silêncio. Em seu sermão em Deuteronômio 5, ele escreveu sobre “quando as janelas das nossas lojas estão fechadas no dia do Senhor, quando não andamos segundo a ordem comum e o costume dos homens.” Ele pergunta: “Se empregamos o Dia do Senhor para nos distrair, para nos exercitar, para ir a jogos e passatempos, Deus está sendo nisto honrado? Não é isto uma zombaria? Não é uma profanação de seu nome?”.(5) 

Em 1550, de acordo com Beza, seu biógrafo, Calvino determinou “que não deveria haver qualquer outro dia de festa, exceto um em sete, que nós chamamos do Dia do Senhor”;(6) e no ano de 1554, ele escreveu em seu Comentário ao Gênesis (2.1-3) que Deus “primeiro descansou, então abençoou este descanso que em todas as eras deveria ser sagrado entre os homens”. “Deus”, continua Calvino, “consagrou cada um dos sétimos dias de descanso” e que, “sendo ele [o shabbath] ordenado aos homens desde o princípio, para que o empreguem na adoração a Deus, é certo que deve continuar até ao fim do mundo”. “Além disso”, conclui, “deve-se notar que essa instituição tem sido dada não a um único século ou povo, mas a toda a raça humana”.(7) 

Um ano antes de sua morte em 1564, Calvino claramente afirmou com respeito a Êxodo 20, em sua obra Harmonia do Pentateuco, que “temos a mesma necessidade de um dia de descanso que os antigos”; e acrescentou: “não é crível que a observância do dia de descanso tenha sido omitida quando Deus revelou o rito de sacrifício aos santos Pais, mas aquilo que na depravação da natureza humana estava completamente extinta entre as nações pagãs, e quase obsoleta entre a geração de Abraão, Deus renovou em sua lei”.(8) 

Essas visões do grande genebrino foram propagadas e desenvolvidas por todos os seus seguidores que orgulhosamente chamavam-se por seu nome — os calvinistas.

Notas:
1 Calvino: “Institutas”, II: VIII:33.
2 Ibid., II: VIII:34
3 Ibid., II: VIII:32, 33.
4 Ibid., II: VIII:32, 34.
5 A. A. Hodge: op. cit., pp. 18-19.
6 Beza: op. cit., I, p. xciii.
7 A. A. Hodge: op. cit., pp. 17:8; Kuyper: “Tractaat” etc., pp. 165-166.
8 Calvino: “Harmony of the Pentateuch”, p. 437. 


Fonte: The Covenantal Sabbath
Tradução: Márcio Santana Sobrinho
Monergismo

O Quarto Mandamento - Arthur W. Pink


“Lembra-te do dia de Sábado (Shabbath), para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os seus trabalhos, mas o sétimo dia é o Sábado (Shabbath) dedicado ao SENHOR, teu Deus, nesse dia não farás trabalho algum” (Ex 20:8- 10). Esse mandamento denota que Deus é o SENHOR soberano do nosso tempo, o qual deve ser usado e aproveitado por nós exatamente como Ele aqui especificou. Deve ser cuidadosamente notado que ele consiste de duas partes, que estão interligadas. “Seis dias trabalharás (e não ‘poderás trabalhar’)” é tão divinamente exigido de nós quanto “lembra-te do dia do Shabbath para o santificares”. É um preceito que requer de nós diligência para cumprir aquela vocação e estado de vida na qual a divina providência nos colocou, para desempenhar seus ofícios com cuidado e consciência. A vontade revelada de Deus é que o homem trabalhe, não passe o seu tempo a toa; que ele trabalhe não cinco dias na semana (por isso organizou o trabalho antes agitado), mas seis.

Aquele que nunca trabalha está incapacitado para a adoração. O trabalho serve para abrir caminho para a adoração, assim como a adoração nos prepara para o trabalho. O fato que qualquer homem possa escapar à observância desta primeira metade do mandamento é uma triste reflexão sobre a nossa ordem social moderna, e mostra quão longe nos distanciamos do plano e ideal divino. Quanto mais diligentes e fiéis formos ao desempenhar os deveres dos seis dias, mais valorizaremos o descanso do sétimo. Assim será visto que a indicação do Shabbath não foi qualquer restrição arbitrária sobre a liberdade do homem, mas uma provisão misericordiosa para o seu bem: que ele foi planejado como um dia de alegria e não de melancolia. É a dispensa graciosa do Criador nos livrando da nossa vida de labuta mundana por um dia em sete, concedendo-nos um antegozo daquela vida futura e melhor diante da qual a presente não é mais que uma provação, quando podemos nos voltar inteiramente daquilo que é material para aquilo que é espiritual e, portanto, sermos equipados para pegar com nova consagração e renovadas energias o trabalho dos dias seguintes.

Deveria ser assim bastante evidente que essa lei para regulamentação do tempo do homem não era uma lei temporária, criada para alguma dispensação, mas é contínua e perpétua no propósito de Deus: o Shabbath foi feito “para o homem” (Marcos 2:27) e não simplesmente para o judeu; ele foi feito para o bem do homem. O que foi mostrado acima sobre as duas partes desse estatuto divino recebe clara e irrefutável confirmação na razão dada para o seu reforço: “pois em seis dias o SENHOR fez os céus e a terra, o mar e tudo que neles existe, mas no sétimo dia descansou” (v. 11). Observe bem o duplo desdobramento disso: o augusto Criador dignou-se em apresentar um exemplo diante de Suas criaturas em cada aspecto: ELE trabalhou por “seis dias”, e Ele “descansou no sétimo dia”! Deverse-ia também ser apontado que a indicação do trabalho para o homem não é a conseqüência do pecado: antes da Queda, Deus o colocou “no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo” (Gn. 2:15). 

A permanente natureza ou perpetuidade desse duplo mandamento é também evidenciada pelo fato que nas razões acima mencionadas para seu reforço nada havia que fosse particularmente pertinente à nação de Israel, pelo contrário, fala com voz de trombeta a toda a raça humana. Além disso, a esse estatuto não foi dado um lugar na lei cerimonial de Israel, que era para ser deixada quando Cristo tivesse dado cumprimento aos seus tipos, mas na Lei Moral, que foi escrita pelos dedos do próprio Deus sobre tábuas de pedra, para nos dar o significado de sua natureza permanente. Finalmente, deve-se mostrar que os próprios termos desse mandamento deixam inequivocadamente claro que ele não foi designado somente para os judeus, pois era igualmente obrigatório para qualquer gentio que habitasse entre eles. Mesmo não estando eles em aliança com Deus, nem debaixo da lei cerimonial, deles era exigido que guardassem o santo Shabbath – não farás trabalho algum… nem os estrangeiros que morarem em suas cidades” (v. 10)! 

“O sétimo dia é o Shabbath do SENHOR teu Deus”. Note bem que não é dito (aqui, ou em qualquer outro lugar das Escrituras) “o sétimo dia da semana”, mas simplesmente “o sétimo dia”, ou seja, o dia seguinte aos seis de trabalho. Para os judeus era o sétimo dia da semana, a saber, o sábado, mas para nós ele é – como o “outro dia” que Hebreus 4:8 claramente declara – o primeiro dia da semana, porque o Shabbath não apenas comemora a obra da criação, mas agora também celebra a ainda maior obra da redenção. Assim, o SENHOR dispôs as palavras nesse quarto mandamento de modo a se ajustarem a ambas as dispensações, e desse modo afirmar a sua perpetuidade. O Shabbath cristão vai da meia noite de sábado à meia noite de domingo: está claro a partir de João 20:1 que ele começa antes do nascer do sol e, portanto, podemos concluir que começa na meia noite de sábado; enquanto de João 20:19 aprendemos (a partir do fato que ele não é ali chamado “a noite do segundo dia”) que durante a noite, e que a nossa adoração também deve continuar. 

Mas embora o Shabbath cristão não comece até a meia noite de sábado, a nossa preparação para ele deve começar mais cedo, ou de que outra maneira poderemos obedecer sua exigência expressa: “nele nem uma obra farás”? No Shabbath deve haver um completo descanso durante todo o dia, não apenas de recreações naturais e de fazer o nosso próprio prazer (Is 58:13), mas de toda a atividade mundana. A esposa necessita de um dia de descanso tanto quanto o marido, sim, sendo a “parte mais fraca”, ainda mais. Coisas tais como mingau e sopa podem ser preparadas no sábado e aquecidas no Shabbath, de modo que possamos estar inteiramente livres para nos deleitarmos no SENHOR e nos entregar completamente à Sua adoração e serviço. Vejamos que não trabalhemos nem fiquemos acordados até tarde na noite de sábado, para não transgredirmos o dia do SENHOR ficando até tarde na cama ou nos fazendo de sonolentos para os santos deveres. 

Esse mandamento deixa claro que Deus deve ser adorado no lar, o que, sem dúvida, inculca a prática do culto doméstico. Ele é dirigido mais especificamente que qualquer dos outros nove mandamentos aos chefes de famílias e empregadores, porque Deus requer que eles vejam que todos que estão sob seu encargo observem o Shabbath. Para eles, mais imediatamente Deus diz: “lembra-te do Shabbath para o santificares”. Ele é para ser estritamente posto de lado para a honra do Deus três vezes santo, gasto no exercício de santa contemplação, meditação e adoração. Porque é o dia que Ele fez (Sl. 118:24), não podemos fazer nada para desfazê-lo. Esse mandamento proíbe a omissão de qualquer dever exigido, um desempenho descuidado do mesmo, ou enfado neles. Quanto mais fielmente guardarmos esse mandamento, mais preparados estaremos para obedecer aos outros nove. 

Três classes de trabalho, e somente três, podem se encaixar no “Shabbath Santo”. Trabalhos de necessidade, que são aqueles que não poderiam ter sido feitos no dia anterior e que não podem ser relegados para o dia seguinte – tais como cuidar do gado. Trabalhos de misericórdia, que são aqueles que a compaixão requer que desempenhemos para com outras criaturas – tais como ministrar aos doentes. Trabalhos de piedade, que são o culto a Deus em público e em privado. Precisamos vigiar e lutar contra as primeiríssimas sugestões de Satã para corromper os nossos corações, desviar as nossas mentes ou nos perturbar nos deveres sagrados, pedindo sinceramente em oração por ajuda para meditar sobre a palavra de Deus para reter o que Ele nos dá. O SENHOR faz a sagrada observância do Seu Dia de benção especial; e contrariamente, Ele visita a profanação do Shabbath com especial maldição (veja Ne. 13:17-18), como a nossa terra culpada está provando agora do seu amargo custo. 

“Um Shabbath bem gasto, traz uma semana contente e fortalece para os labores do amanhã; mas um Shabbath profanado, o que quer que possa ser ganho É um certo precursor de desgraça”. 

Fonte: Extraído e traduzido do excelente livro The Tem Commandments, de Arthur Walkington Pink. 
Tradução: Claudino Batista Marra
Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto
Fonte: Monergismo

O sábado segundo a Confissão de Fé de Westminster - Joel Beeke



A santificação do primeiro dia da semana como um sábado cristão é central para a preocupação fomentada pelo cristianismo reformado em aplicar a lei moral à vida cristã. Se houve algum grau de ambiguidade entre os reformadores protestantes do século 16, esta foi completamente banida quando, em meados do século 17 os teólogos de Westminster se reuniram para escrever a Confissão de Fé (Capítulo 21):

VII. Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção de tempo seja destinada ao culto de Deus, assim também, em sua Palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens, em todas as épocas, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo, foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que, na Escritura, é chamado dia do Senhor (domingo), e que há de continuar até ao fim do mundo como sábado cristão. 

VIII. Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo devidamente preparado os seus corações e de antemão ordenado os seus negócios ordinários, não só guardam, durante todo o dia, um santo descanso de suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de necessidades e de misericórdia.

Esta elevada apreciação do sábado conquistou o seu lugar na Inglaterra, na América do Norte, em todo o Império Britânico e também na Holanda. Embora tenha sido uma preocupação chave dos cristãos reformados, a guarda do sábado (dia do descanso) foi adotada como regra pelos cristãos de praticamente todas as denominações. No despertar dos poderosos reavivamentos dos meados do século 18 e início do século 19, a guarda do sábado cristão foi adotada também pela população em geral.

Este feliz estado de coisas prevaleceu durante todo o século 19 e no século 20.Grandes centros urbanos como Filadélfia e Toronto eram conhecidos pelo cuidado com que o sábado era observado por seus habitantes. Pelo final do século 19 algumas ferrovias importantes cessaram suas operações durante o domingo. Balneários à beira mar tomaram medidas a respeito a todo o tráfego motorizado nas ruas aos domingos (Ocean Grove, N.J.) e ao uso de cinemas para o culto público nos domingos a noite (Ocean City N.J.).

A cultura de nossos dias apresenta uma cena imensamente alterada. As forças de secularização e o aparecimento da cultura do lazer, obcecada pela procura de entretenimento de todos os tipos, extinguiram a preocupação pela guarda do Dia de Descanso entre a população em geral. Ainda mais trágica é a contínua erosão desta convicção entre os cristãos. O maior estrago foi feito pelos ataques modernistas à autoridade das Escrituras, corroendo e subvertendo assim todas as normas bíblicas para a vida. Entretanto, o fundamentalismo também deve carregar sua parte da culpa. Sob a influência do dispensacionalismo um crescente antinomianismo se desenvolveu nos círculos cristãos americanos mais conservadores. O Antigo Testamento em geral e a lei moral em particular vieram a ser encarados como monumentos de uma era ultrapassada. O resultado foi uma total destruição da convicção no que diz respeito ao Dia do Senhor, mesmo entre presbiterianos que aceitam os Padrões de Westminster – não obstante a dissonante inconsistência envolvida! 

Certamente a ocasião está madura para os cristãos examinarem novamente a Palavra de Deus em busca de instruções relativas ao quarto mandamento e suas exigências sobre nós. Se por nenhuma outra razão, o estudo deveria ser realizado em vista da crescente evidência e do alto grau de estresse destrutivo escondido por trás da atraente fachada da assim chamada “cultura do entretenimento”. As pessoas estão se destruindo porque não conseguem dizer não, nem ao trabalho nem à diversão. Grandes bênçãos espirituais são prometidas àqueles que se submetem à renúncia disciplinadora da guarda do Dia do Senhor. 

O sábado como instituição divina
“O sétimo dia é o Sábado do SENHOR teu Deus” (Êx 20.10). Estas palavras nos relembram de que o sábado é uma instituição divina em dois sentidos. Primeiro, o sábado semanal é instituído pela palavra de ordem de Deus. Em segundo lugar, Deus requer este dia para si mesmo: “o sábado do Senhor teu Deus”. Os seis dias de trabalho foram cedidos ao homem para a busca de seu trabalho e lazer; mas não o sábado que Deus chama de “meu santo dia” (Is 58.3). Não devotar este dia aos propósitos e atividades ordenadas para sua santificação é roubar a Deus de algo que lhe pertence.

Esta verdade é reforçada pelas palavras do Senhor Jesus Cristo registradas pelos três primeiros evangelistas (Mt 12.8; Mc 2.28; Lc 6.5) quando ele afirmou: “O Filho do Homem é senhor do sábado”. Em uma só frase Cristo declara sua completa divindade e identidade com Jeová e reafirma a reivindicação de Deus sobre as horas do sábado semanal, adotando a exigência e apresentando-a novamente em seu próprio nome. A reivindicação deixou sua marca nas crenças, práticas e usos da igreja apostólica de tal forma que, ao final daquela era, o sábado cristão era conhecido como “O dia do Senhor” (Ap 1.10).

A sábado como ordenação da criação
Um erro comum é assumir que o sábado se originou na entrega da lei no Sinai. Esta maneira de ver ignora o fato de que ele não é introduzido como algo novo, mas, ao contrário, reconhecido como algo antigo e histórico e que agora deve ser relembrado e observado pelo povo de Deus: “Lembra-te do dia do sábado, para o santificar” (Êx 20.8).

E o que, especificamente, deve ser relembrado no padrão de seis dias de trabalho pontuado por um dia de descanso santo? “... em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou” (Êx 20.11). 

A resposta bíblica para a questão de quando o sábado foi instituído é abundantemente clara: o sábado foi instituído por Deus no alvorecer da história. Sem dúvida o homem estava presente e significativamente, foi o primeiro dia completo de sua vida sobre a terra (Gn 2.1-3). Se o padrão foi perpetuado depois deste dia ou não talvez seja uma questão especulativa, mas a história do sábado não foi perdida. No Sinai só foi necessário recordar aquela história e ordenar ao povo que deveria posteriormente manter sempre a sua lembrança.

O sábado, portanto, não é uma ordenança estritamente mosaica. Sua origem está enraizada na própria criação e, como o casamento, é uma instituição altamente significativa para a raça humana. Suas bênçãos temporais podem ser apreciadas por toda a humanidade, e suas bênçãos espirituais são prometidas a todos e a procuram até os “eunucos” e “os estrangeiros que se chegam ao SENHOR” (Is 56.1-8). 

O sábado como um memorial redentor
Na recapitulação dos Dez Mandamentos (Dt 5.6-21), descobrimos que a redenção não altera nem anula a exigência de manter o sábado santo. Ao contrário, o texto apenas acrescenta o significado do dia para aqueles que são “os redimidos do SENHOR “. Assim como os escravos no Novo Testamento deveriam partilhar cabalmente com seus senhores da benção do evangelho, assim também era a lei em Israel de que os servos deveriam gozar do descanso estabelecido no quarto mandamento juntamente com seus senhores: “para que o teu servo e a tua serva descansem como tu” (Dt 5.14). A isto é acrescentada a seguinte recomendação: “... te lembrarás que foste servo na terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão poderosa e braço estendido; pelo que o SENHOR teu Deus te ordenou que guardasses o dia de sábado” (v. 15). Com estas palavras o sábado assume novo sentido e função como memorial da redenção da escravidão que conquistou para seu povo. Este sentido adicional reforça o sábado como uma instituição entre o povo de Deus. 

Aqui também está uma antecipação da morte e ressurreição de Cristo na observação do sábado por parte de seus seguidores. Tão grande foi o cumprimento culminante e decisivo da promessa de redenção, seguido de perto pela descida do Espírito no dia de Pentecoste, que daquela data em diante o sábado foi “mudado para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado dia do Senhor, e que há de continuar até o fim do mundo como o sábado cristão” (Confissão de Fé de Westminster XXI: VII).

O resultado é que o apóstolo Paulo escreve em Hebreus 4.9: “... resta um repouso para o povo de Deus”. O sábado ainda continua conosco como um sinal de algo que ainda será alcançado, experimentado, gozado na eternidade. Ao mesmo tempo, porque a palavra que ele usa para “descanso” é sabbatismos, ou “a guarda do sábado”, a obrigação de observar um sábado semanal continua mesmo no evangelho. A guarda do sábado tornou-se, de fato, uma das marcas do discipulado cristão no tempo dos mártires, como relata Maurice Roberts:

Uma pergunta feita aos mártires antes de serem mortos era: “Dominicum servasti?” (Você guarda o Dia do Senhor?)

O sábado como sinal escatológico A profecia de Isaías termina com o anúncio da promessa de novos céus e nova terra para o povo de Deus: “... eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas” (Is 65.17). Nesta nova criação o trabalho do povo de Deus será completamente redimido da maldição: Não trabalharão debalde nem terão filhos para a calamidade, porque são a posteridade bendita do SENHOR, e os seus filhos estarão com eles (v. 23). 

Esta nova ordem da criação subsistirá como a consumação da promessa de redenção. Não apenas o trabalho do povo de Deus deve ser totalmente redimido da maldição, o sábado também afinal receberá sua merecida consagração como o dia universal de culto ao SENHOR. Esta é a promessa de Deus: 

... como os novos céus e a nova terra, que hei de fazer, estarão diante de mim, diz o SENHOR, assim há de estar a vossa posteridade e o vosso nome. E será que, de uma Festa de Lua Nova à outra, e de um sábado a outro, virá toda a carne a adorar perante mim, diz o SENHOR (Is 66.22-23). 

Resumindo, o sábado permanece como uma instituição tão antiga quanto a criação. Pertence à ordem das coisas como elas foram desde o início antes da queda do homem no pecado. É tão universal quanto qualquer outra ordenança da criação conservando a promessa de bênção para toda humanidade. Esta promessa de redenção e seu cumprimento apenas acrescentam à significação do sábado como o dia que deve ser observado pelos redimidos do Senhor. O sábado é um sinal da promessa de redenção tanto em seu cumprimento agora como também naquele que ainda virá. É o dia do Deus, um dia santo – um dia para os cristãos conservarem santo.

Cristo e o sábado
O sábado é parte essencial do ambiente do Novo Testamento tanto quanto do Antigo. A questão do sábado e de como ele deve ser guardado foi um campo de batalha freqüentemente revisitado nos conflitos de Cristo com os fariseus. Tão intensa era sua oposição às ideias farisaicas sobre guarda do sábado que muitos concluíram que Cristo se opunha ao próprio sábado e, portanto, se oporia a qualquer continuação da guarda do sábado entre seus seguidores.

Tal conclusão ignora ou diverge de três fatos importantes registrados nos evangelhos. Primeiro: Cristo mesmo guardava fielmente o sábado (ver Lc 4.16). Segundo: Cristo declarou que ele não tinha vindo para destruir a lei, segue-se, portanto, que ele não tinha vindo para destruir ou abolir o sábado (ver Mt 5.17). Terceiro: Como já vimos, Cristo reivindicou o sábado como sendo sua propriedade: “O Filho do Homem é senhor do sábado”.

O conflito entre Cristo e os fariseus deve ser encarado, portanto, como uma campanha não para destruir, mas ao contrário, para tornar a reclamar e restaurar a instituição bíblica do sábado. Para tanto Cristo acolheu o sábado e o requereu como sua propriedade. Além disso, declarou que ele pessoalmente cumpriria a promessa do sábado na vida de seus discípulos: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mt 11.28-29). Mesmo aqui Cristo faz soar a nota de oposição aos fariseus e ao seu “jugo” de proibições e prescrições tradicionais em relação ao sábado. Pedro se referiu a este jugo e o declarou tal “que nem nossos pais puderam suportar, nem nós” (At 15.10). Cristo oferece um jugo muito diferente e diz: “Meu jugo é suave e meu fardo é leve” (Mt 11.30). Tomar o jugo de Cristo é tornar-se seu discípulo, assim como aceitar o jugo dos fariseus era tornar-se discípulo deles. Àqueles que o aceitam com fé verdadeira Cristo promete descanso como cumprimento da redenção em agudo contraste com a negação deste descanso para os israelitas não crentes e desobedientes (Sl 95.10-11). Este descanso consiste em colocar um fim no trabalho infrutífero de buscar ser justificado pelas obras da lei. Cristo também retira de nossas costas a carga da culpa por todos os nossos pecados. E isto não é tudo, pois há a promessa de mais para o futuro quando tivermos nos livrado “do corpo desta morte” (Rm 7.25)

Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham (Ap 14.13).

Com isto em mente, o apóstolo relembra aos crentes que nos foi “deixada a promessa de entrar no descanso de Deus” e acrescenta esta exortação, envolvendo um profundo jogo de palavras: “Esforcemonos, pois, por entrar naquele descanso” (Hb 4.1,11).

O Cristão e o Sábado
Como os crentes em Cristo deveriam guardar o dia do descanso hoje em dia? Muitos escritores têm apresentado respostas para esta pergunta. Para o presente propósito, entretanto, preferimos indicar três ricas fontes de orientação: O quarto mandamento em si mesmo; o profeta Isaías; e os ensinos e o exemplo de Cristo Jesus nosso Senhor.

O quarto mandamento em suas duas formas canônicas (Êx 20.8-11; Dt 5.12-15) fornecem muita orientação. Primeiro, devemos colocar de lado nossas tarefas diárias e empregos. Devemos fazer isto individualmente, como famílias, como congregações e como comunidades. Segundo: devemos voltar nossas mentes e corações para os grandes temas das Escrituras Sagradas: as maravilhosas obras de Deus como criador, redentor e santificador. Terceiro: devemos nos ocupar daquelas atividades que adquirem, aumentam e expressam nosso conhecimento da santidade de Deus e de nossa própria santidade em Cristo. “Lembre-se do dia do sábado para o santificar”.

O profeta Isaías viveu numa época muito parecida com a nossa, um período de prosperidade e afluência geral. Ele tem uma palavra clara para dizer sobre os perigos desta afluência, na forma do “cultura do lazer” que a prosperidade torna possível:

Se desviares o pé de profanar o sábado e de cuidar dos teus próprios interesses no meu santo dia; se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do SENHOR, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, não pretendendo fazer a tua vontade, nem falando palavras fãs, então te deleitarás no SENHOR. eu te farei cavalgar sobre os altos da terra e te sustentarei com a herança de Jacó, teu pai, porque a boca do SENHOR o disse (Is 58.13-14).

Aqui o profeta expande a proibição a respeito do trabalho para incluir a procura de nossas recreações pessoais e atividades de lazer. Até mesmo as palavras que falamos devem ser orientadas pelo mandamento. Em troca o profeta anuncia um tipo maravilhoso de liberdade espiritual e deleite em Deus: “então te deleitarás no SENHOR”.

Finalmente devemos considerar os ensinos e o exemplo do Senhor Jesus Cristo. Ele marcou o dia com um caráter cristão indelével quando disse: “O Filho do Homem é Senhor do sábado”. Desde então é perfeitamente legítimo falarmos de um sábado cristão. Cristo reafirmou o dia como uma instituição projetada para o bem e a bênção da humanidade quando relembrou os fariseus que: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2.27). Deste modo ele nos ensinou a não sobrecarregar o dia com um tipo de rigidez que trabalha contra as necessidades básicas do ser humano. Ele insistiu, além disto, que “é lícito fazer o bem” (Mt 12.12 ; Lc 6.9) no dia do sábado. Aqui ele sanciona e aprova obras de misericórdia e compaixão feitas em seu nome e para sua glória.

Do exemplo de Cristo aprendemos a atender diligentemente aos trabalhos da igreja de Deus, congregando-nos no sábado cristão para ouvir a Palavra de Deus (Lc 4.16). É também um dia no qual os ministros da igreja devem devotar-se ao ensino e à pregação (Lc 4.31). É um dia para fazer o bem aos irmãos membros da comunidade da fé (Lc 4.38-39) e para oferecer e receber a graça da hospitalidade cristã (Lc 14.1) como parte da comunhão dos santos apropriada para o dia (veja também Lc 24.29,42). Finalmente os dias de descanso devem ser os dias especiais para a manifestação do regozijo na graça de Deus revelada no evangelho – graça que abre nossos olhos cegos, repreende em nós a febre do pecado, liberta-nos de nossa triste escravidão, triunfa sobre o pecado e suas hostes, restaura aquilo que o pecado fez murchar, e cura toda a enfermidade de nossos corações e nossas mentes. Pode-se dizer honestamente que tudo o que Cristo fez aos sábados tinha como propósito este único objetivo: revelar e proclamar a graça de Deus aos pecadores.

Concluímos, portanto, que omitir ou negligenciar a santificação do sábado cristão é desobedecer a Deus, violar nossa relação com Jesus e nos roubar de bênçãos muito grandes. Do outro lado, guardar o sábado como ele deve ser guardado, de acordo com os ensinos e o exemplo de nosso Senhor representa uma grande parcela de vivermos para a glória de Deus e não é nada menos do que “começarmos nesta vida a viver o eterno descanso” (Catecismo de Heidelberg, P/R. 103). 

Revista Servos Ordenados, nº 20 - Editora Cultura Cristã

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